quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Obrigada, 2011




Eu não coube mais nas roupas que antes folgavam em meu corpo. Engordei, emagreci, comi tudo que tinha vontade e não pratiquei exercícios. Li mais o que queria, fiz poesia com minha vida, criei coragem pra falar alto e fazer a arte de ensinar com as mãos de artista inexperiente. Tentei violão, desisti antes de começar a dança e o francês, e concluí o curso de inglês. Optei pelo o português. Eu me surpreendi com meu timbre, com minha paciência em esperar o momento ideal para falar poucas verdades latejantes, apesar de ouvir muitas mentiras feridas. Ouvi meu coração também, baixinho mas pulsante e forte, que me submeteu a gestos loucos e conscientes. 


Aprendi a sorrir em momentos inapropriados e a zombar da hipocrisia que insistia em me rodear. Aprendi também a dizer "não" quando preciso, mas ajudei a quem precisava sem ouvir um "sim" para isso. Acho que também fiquei mais independente, apesar de não ter comprado um apartamento nem ter saído de casa, mas por ter dado asas a liberdade que minha mente desejava pra voar alto, além das montanhas, além dos muros palpáveis. Continuei sem seguir o que a moda ditava e a sempre errar nas combinações, que variavam junto com meu humor camaleão. Talvez tenha investido mais na cabeça do que no corpo (gosto de ver meu dinheiro valer a pena, ao invés de sumir a cada estação). 


E falando em estação, sofri invernos e tremi de frio quando o que eu mais queria era um cobertor. Fiz de mim minha própria companhia por várias noites sem sono e sem lágrimas. Já meu verão foi só risos, calmaria do mar e revelação: me surpreendeu com um sol chamado amizade, raiou ainda mais a família pequena e que me foi permitida escolher. Nasceram estrias no meu corpo e o efeito sanfona atuou também no emocional. Alguns entraram e saíram de mim deixando marcas, umas mais claras, outras mais escuras. Abri os olhos para as pessoas ao meu redor e consegui ver a alma, segui o pequeno príncipe. Enquanto isso, muitos cegaram para as carapuças alheias de bom caráter (sempre preferi o mau caráter não disfarçado e não é a toa). Senti-me no asteróide B-612. 


Conheci a ingenuidade mas também o monstro oculto que acorda de repente, assustando em silêncio. Resmunguei, chorei, me decepcionei com o quase óbvio, me senti criança. Mas pus em prática a maturidade construída, cedendo o perdão e a tolerância. Saí do berço da apatia, da cegueira e do conforto ilusório. Sofri do mal da omissão e dos chás de sumiços sentindo uma dor fina e cortante. Tomei remédios de pseudo-alívio, mas acabei caindo da nuvem mentirosa que me aconchegava lá em cima. Só machucou no começo, hoje em dia já sei como assoprá-las mesmo sabendo que ainda irei me arrebentar e reaprender. 


Com tudo isso, fui levada a acreditar que todo mundo tem dois lados: ninguém pode ser totalmente bom ou totalmente mau. Expandi, aceitei e como prova ganhei irmãos, aqueles que enfeitam minhas fotos e tem pacto com meus gostos, sintonias sem explicação. E como as melhores coisas da vida, não necessitam de explicação. Já outros sumiram no meio da viagem: eram só passageiros. Dei adeus. Aprendi a sumir quando não havia mais saída, e a entrar no mundo das pessoas a fim de ser inteira e amiga. Abominei metades e exigi atenção. Nunca pude fugir da intensidade que me vive, lá dentro, bem mais forte do que eu. 


Acho que falei mais o que sentia e discuti com os que se achavam politicamente corretos em tudo. Aprendi a odiar e desconfiar de quem agrada a todos e tive bom motivos pra isso. Desmistifiquei supostas verdades, mas sonhei bem mais. Nunca fui a favor dos cem por cento racionais, pois onde estaria a graça da vida se não nos sonhos? Enfrentei gente que queria derrubar os meus e debochar da minha caminhada em busca deles. Desconsiderei, afinal não há troco mais ousado do que a indiferença. Infelizmente ser você mesmo gera guerra em uma sociedade que adora fazer sentido. 


Fui também racional quando o momento pedia, mas não fui quando a questão era unir dois corpos. Eu me apaixonei desesperadamente, tremi pernas e gaguejei. Aprendi a ler gestos e usei minhas armas. Não todas. Acho que fui importante em algum momento e roubei alguns pensamentos com minha imagem. Eu quase me entreguei, quase caí feio, se não fosse algo indefinido (uns nomeiam de "destino", outros de "coincidência"), no meu mundo onde tudo tem que dar certo, que impedisse. Olhei pra uma boca, ele me sorriu com um olhar. Eu me encantei, depois desencantei, cantei e reencantei. Gostei de ter vivido cada amor platônico, cada paixão desenfreada, cada paquera não correspondida. Gostei mais ainda de ter me deixado quatro pneus caidinhos por mim mesma, ter visto o amor-próprio transbordar. 


E de verdade, o melhor de tudo foi ter acordado sempre com pensamentos matinais desapaixonados, e morrer de amor no final do dia. Foi sorrir com minhas quedas e a chorar com minhas graças alcançadas. Foi ter vontade de continuar sempre depois das topadas e ter me conhecido um pouco melhor, na velha luta infindável do auto-descobrimento. Foi ter subido mais um degrau da longa escada que habita esse mundo, cheio de dores e amores. Foi ter dois dias para que o ano se acabe, e conseguir dizer satisfeita: O fechamento desse ciclo está permitido. Bem-vindo 2012! 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Sobrou

Se antes eu reclamava do tempo e do lugar, hoje os tenho nas mãos transbordando. Minha válvulas de escape enferrujaram, minhas queixas não são mais justificáveis. Sobrou espaço, ponteiros e muitos papéis pra escrever, quem sabe planos pra concretizar. Monotonia e descaso com os problemas do mundo lá fora. O mundo em que tenho habitado nada mais é que o meu infinito particular. Tão, tão íntimo que chega a ser fino como o vidro a estraçalhar-se no chão. Com cuidado, agarro-o, deito-me lentamente na cama, procuro um toque seu. Como não tenho o tato, vou na música. Ela finaliza. 
A tarde já cai e eu continuo a procurar por pedaços de você nas sombras formadas pela cortina do meu quarto, reflexos do vidro que é meu mundo. Penso então que se não te tenho por completo em tempo real, por que não matar minha sede no sonho, onde tudo pode acontecer? Mais uma tentativa frustrada de chegar perto: lá as coisas também não tem acontecido. O que fazer? 
Acordar.
É. Eu preciso acordar, lavar o rosto, arrumar a mala e partir. Em vez de esquecer de levar o que deveria, esquecer o que não deveria ir (mas que vai), mesmo que no pensamento, no bolso, no pedaço de nuvem observado da janela do avião. Dar um passo pra frente, deixando pra trás e principalmente aprender a fazer isso sem lamentações. Amadurecer é processo dolorido mesmo, mas é um título que a vida cobra. Ainda mais sendo mulher, com sentimentos de menina e coração idoso. Às vezes descer do salto e encostar com os pés frios no chão é preciso. Os meus flutuam ainda, mas daqui a pouco alcançam o piso do desembarque. Se antes eu reclamava do tempo e do lugar, hoje os tenho nas mãos transbordando...

Au revoir!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Psiu!


Desconfiei de mim. Passei a não acreditar no que minha boca fala, mas no que meu coração cala. Silêncios cheios de respostas. Sou total desentendida, confusa, contraditória assumida, e por isso não confio no que solto pro vento levar: palavras. Meu silêncio vale muito mais tardes amenas e noites tranquilas. Meu vocabulário é perturbador, me tira a paciência, não é meu amigo. A ausência de sons quando resolve se instalar em mim, já age com classe, com elegância e sopra baixinho no meu ouvido a brisa dos poucos e sábios. Então decidi me apegar ao vácuo de ilusões lexicais.

Há algum tempo, eu vinha relutando contra a indiferença, a injustiça, as frases pseudo-alegres. Não tinha tanta recompensa quando jogava a mesma carta, falava a mesma língua. Como dois cegos tentando enxergar o caminho, como dois países em guerra tentando acordo. Resolvi optar pelo recolher-me, o calar-me que parece infinito dentro de tempo curto, principalmente com o reforço do silêncio da noite escuro de estrelas quase invisíveis, e o dia sem uma nuvem sequer. Mas acredite, aprende-se bastante com o espaço grande-vazio.

Vazio nem sempre é sinônimo de coisa fria, seca, cruel ou conformista. Vazio quer dizer reflexão, pelo menos nos momentos em que os desejos de explodir estão falando alto, o sangue tá fervendo e as multidões estão num caos. Parece um adoecer, mas não é. É vital, necessário e método seguro. Nada a ganhar mas nada a perder. Eu fiz o teste, acho que me superei. Porque sempre chega o momento que a vida cobra e traz a recompensa dos pés que se aquietam, das mãos que se descruzam, dos textos escritos para descarregar essas palavras transfiguradas por momentos abafados do silêncio do outro. Vale a pena.

É quase uma comunicação telepática que se consuma com a verdade. E que ela seja dita através das entrelinhas do assobio - prolongação do silêncio fino e frágil -, que seja gritada com a voz rouca do coração, mas jamais colocada pra fora com a boca errônea e borrada. Dar espaço ao dicionário não compromete as emoções cheias de erros de grafia. E acredito firmemente na justiça do universo. Universo que conspira a favor de todo um silêncio absoluto que diga alto o que não quer, mas que não escandalize a ponto de ferir como as palavrinhas - ou quem sabe palavrões.

Se o outro não der a mínima pro meu silêncio, não me importo. Fecho a porta, apago a luz. Pois quem não se importa com o silêncio atual, tampouco merece as palavras futuras, tão bem caprichadas ao longo dos anos com leituras complementares - poemas infindáveis e encarnados. Pedaços de histórias felizes não merecem tragédias a todo enredo diferente. Então guardo a eloquência, os neologismos e língua dos anjos (ou do amor?) para o mais sutil momento de merecimento, de ouvidos atentos, pupilas dilatadas. Tem que saber dosar a baixeza da vontade e a grandeza da verdade. 

Boca falante, coração calado. Continuo com a segunda.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O sol nasce pra todos

Às vezes bate sentimento 
de humanidade

Um pedacinho do céu, 
um bicho da sorte inusitado, 
um sorriso sem motivo... 

Uma vontade de esperança, 
de ver uma face incomum,
do transgredir...

Barrando as diferenças, 
afogando a violência,
liberando as ideias...


Para que explique o meu amor,
minha tolerância,
minha paz...


Pela humanidade.

Para que o mundo enxergue
O azul pequenino que enxergo
A esperança verde ativa
O sorriso alastrado que me pego
Ao menos agora 
Às vezes, quem sabe...

Pela humanidade.

domingo, 20 de novembro de 2011

Vento de mudança

É estranho construir castelo e temer o vento que um dia viria a derrubá-lo. O tempo passa e o vento chega, sopra aos ouvidos, assobia forte. Parece não adiantar todas as fantasias, as palavras arquitetadas, a pressa em rever o que estava errado. Nada mal. A gente sempre sai do fundo do poço e salta de novo pra o mundo lá fora. A gente baila conforme a música, dança de mãos dadas com a emoção e mais uma vez, pega o coração com as palmas, ainda no ritmo. Remedia-o e o entrega para o outro adoecê-lo. As xícaras ficam fora do lugar, as melodias desentoam, os lugares soam insanos, as pessoas mais chatas do que parecem, mas isso é temporário. A vontade se transforma em utopia, numa loucura abafada, numa lágrima derramada levemente no travesseiro, aquele que encosta a cabeça de chumbo. Quase nunca esquecemos rápido. No começo é beco sem saída, nublado perdurando dias e dias, cegueira pra felicidade que se guarda. Mas grandiloquência nos fatos é desestimulador demais e somente a fé levanta ombros caídos. A fé como uma corda bamba, não tão mole a ponto de nos fazer cair. Seria possível então controlar desejo faminto no meio da tarde carente? Renunciar a esperança adquirida com suor? Melhor desistir de rumos iguais na espera de resultados diferentes. Porque alguma coisa lá dentro muda, sai da linha, se machuca fino, feito copo espatifado no polegar. Isso tem que ser válido, o sofrimento precisa ter crédito ao menos uma vez. Dormir no tempo, esquecer-se na varanda com o pensamento embargado nas relações frágeis, talvez um canto desafinado - encantador pra quem nada ouve. Encanta a dor? Lágrima fugidia novamente. Sentir o latejar também traz suas resistências, pois depois sempre vem outras vozes graves e nos surpreendem com novos cantos. Des-cantando a dor? E lá vão eles de novo ao encontro, a uma nova batida. O que não vale é lamentação demais, coitadismos sem fim, mas o calar-se, o recolher-se na frente do espelho, o sorriso desgastado porém revitalizante. Sorriso que revela um fiapo de amor invencível, não desistente de sua aparição. Pedacinho sobrado que assobia levemente aos ouvidos do coração desesperado por continuação. Que tal reticenciar? Por fim, abrir a janela do quarto em busca do vento de mudança que acalma o desespero, dá refresco ao fraco. Recomeçar almejante por um final incerto, tentando sair mais forte desse princípio. De passagem, aproveitar pra fugir da posição secundária, assumir-se protagonista, mas jamais menos vulnerável às tragédias que o temor do vento trará. Construir, destruir, reconstruir.
E que venha o próximo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Retiro

summer moved on

Eu devia pegar as malas e partir. Ir à rodoviária ou ao aeroporto. Comprar passagens para um lugar sem nome, explorar a existência, implodir minha crise. Esquecer-me num retiro, ausentar-me da vida aqui. Eu devia ir embora e voltar sorrindo, com alma e cara novas, pra ninguém colocar defeito. Eu devia ir embora sem me despedir . Descarregar as angústias amorosas e reparti-las com desconhecidos, passageiros imaginários. Talvez servissem pra uma crônica qualquer. Eu devia seguir outro rumo, fugir da rotina atordoante, respirar novos ares em busca de uma expiração do ar pesado. Limpar pulmões, mente e coração. Filtrar os pensamentos através de um funil, onde eu não pudesse reutilizá-lo. Simplesmente sumir que nem poeira na estrada, ser o rastro de fumaça amarelada na cara de quem vem atrás. Devia mimetizar a estrela cadente no céu negro, o vulto no corredor escuro, o carro que corre a mais de duzentos por hora na estrada. Sair de fininho de casa, não deixar bilhetes com palavras explicativas para tal desatino, permitindo a louca vontade de fórmulas transcendentes, indecifráveis. Uma espécie de busca do meu interior, só que lá fora. A mil pés de altura, a alguns graus negativos. Quem sabe aproveitar o ensejo e inventar novas fantasias, me afundar em outros amores rasos. Impressionar-me com slogans convidativos, mesmo sendo os mais banais possíveis. Devia mesmo, agir com a epifania dos seres, o gozo dos poucos. Inventar novos lugares pra contemplar o pôr do sol, novas doses para amortecer desilusões, novos cheiros para serem lembrados daqui a uns anos. Dar o tempo do clichê que aqui se tornou, ficar longe das pessoas piegas demais, exigentes demais pro cotidiano cíclico demais. Quando voltasse, viria na mala muitas saudades e uns contos para escrever. 

Talvez até um novo amor.

"O problema é que quero 
muitas coisas simples, 
então pareço exigente." 
Fernanda Young
                           

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Você traz a lenha

Corri para o quarto e reparei a noite de chuva - as vidraças embaçadas me relembram a infância feliz, com cheiro de terra molhada. Os olhos brilhantes denunciavam o desejo de colocar pra fora todo aquele amor reprimido. Aliás, acho que tenho falado demais nesse enigma pairante sobre a cabeça, pedindo forma, pedindo cor. Percebo então que minhas baforadas formam uma película composta por minúsculas gotas, dentre as quais inocentemente rabisco o nome dele. Aquele inútil, imprestável amor que inventei pra gastar os neurônios, e iniciais desinteressadas no caderno. 
Acendo o cigarro no quarto mesmo, me esparro entre as roupas já amarrotadas pela preguiça cotidiana. Sem mais nem por que, resolvo me arrumar para a imagem devolvida pelo reflexo do espelho. Não faz mal, pensei. Traje desenterrado do fundo da gaveta, estilo pin up: estampa de bolinhas, lenço para o cabelo, batom vermelho. Que tola! Ajusto o vestido ao corpo esbelto e exibido, uma verdadeira diva que me dava ar de saúde. Maquiei a angústia. Fumo mais outro cigarro e paro pra observar o cinzeiro. Brincando com as piolas, faço uma cara ensaiada pra atrair uma suposta atenção, imitando os gestos Marilyn Monroe - sensuais e encharcados de mensagens implícitas. Imaginei que se fossem pra ele, capricharia. Olho no espelho, toco a boca que grita pelo macio do beijo. Mas a outra boca não se faz presente, a não ser dentro do pensamento embrulhado, causador de frios na barriga, extensão do frio lá fora. 
Saio a bailar pela sala ao som de um rádio velho que resta nos fundos. Dança sem par, sensação ímpar. Música antiga, de melodia suave. Suave como minha saudade. Volto a janela do quarto que já não está embaçada, me passando a impressão de ter alguém lá fora, de preto. Imaginei ser o próprio - no fundo eu guardava uma expectativa falsa da chegada repentina, que nem no cinema hollywoodiano. Ninguém além do vigia da rua, fingindo cuidar do escuro enquanto dormia por baixo do cansaço. 
Retirei-me em passos lentos, abri um livro de poemas qualquer. Não achei nada que encaixasse com a linguagem do dono da atitude sádica. Nada que não falasse de histórias com final feliz. A minha não era, pois nem continuação tinha. Mas não havia romances, apenas alguns contos breves. E era assim que minha literatura de cabeceira e da vida estavam.
De súbito, o telefone toca. Alô sem resposta, barulho de vento. Não era número conhecido quando busquei o bina. Talvez um enganado da noite, ou quem sabe ele querendo ouvir minha voz de um lugar inusitado. Apenas ouvir... quanto desfecho para nada! A ilusão se apagara entre a realidade cruel e a latência do sentimento, que dormia há séculos. E dormia pesado. Sentimento que de nobre só tinha o nome. 
De olhos ainda abertos, quase devaneando no sofá, tomei o meu café preto preparado com a lembrança vaga das receitas de minha mãe. Refletindo a porta de vidro da frente, me vi como mulher, amante de mim. Mas amante dele, amante da vontade de amar. Amante do cheiro, do toque, da companhia silenciosa que fala alto. Amante da soma do dois que resulta em um, na cama do quarto, na janela ao observar a rua vazia, no sonho em plena vida real. Amante das palavras sussurradas, do cabelo afastado com jeito, do hálito quente. Amante do que se esvai entre a neblina no céu e o sinuoso desejo de estar. Chuva, nostalgia, abraços sem pudor.
E assim minha noite se acaba. 
Vento gelado que remonta a lembrança da face e a certeza da minha solidão. Sem volta a infância, só me resta a súplica ao único moço no mundo que pode me trazer a lenha. 
Meus olhos míopes imploram sem que ele escute: Aqueça-me, meu bem.


"O teu amor é uma mentira
Que a minha vaidade quer
E o meu, poesia de cego
Você não pode ver 

(...)
Mas ficou tudo fora de lugar
Café sem açúcar, dança sem par
Você podia ao menos me contar
Uma história romântica."

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O que me resta além?


Nem acender, nem apagar a luz. Apenas esperar o dia e a noite chegarem, banhados com minha indiferença. Chegando ao ponto estapafúrdio de não querer mais reivindicar aquilo que não reivindica, de exigir aquilo que não se pode, eu simplesmente sorrio sem graça alguma. Sem mistérios a serem desvendados, sem segredos guardados no coração febril. Apenas nada, o tudo que me resta. Sento-me, calo e espero, quase impaciente, mas lembrando que é assim que as coisas devem ser, ou que são somente pra mim. Lembrar que sempre chega o dia neutro, o dia em que uma reflexão na varanda de casa supre a necessidade imediata mais profunda de amor. Nenhuma dose para aumentar o astral, ninguém para ouvir murmúrios. Apenas silêncio sem choro. Silêncio que pende entre a perturbação e a lembrança vaga da sua voz. Por que tem que ser assim? Sabe-se lá o porquê, só se sabe que é, sem mais, sem pontos-finais. Cair na rotina de uma ferida que não se fecha e anestesiá-la com as outras coisas da vida. O buraco no meio da grandeza da existência, que parece nunca deixar de existir. A não ser por alguns minutos. Efemeridade doentia.







O que mais me resta além das cinzas do tempo?

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Distância amarga


A  distância ajuda e nos faz chegar enxergar o que realmente vale: nossa essência. Quando perto do que acreditamos ser nosso outro Eu, muitas vezes nos tornamos cegos por mero encantamento, ou pior, cegos por não querermos ver. Então a gente corre, se distancia e vê as coisas duras, como elas realmente são. Dói e é ruim, mas é extremamente necessário. Então assim, fiz com você. Dobrei algumas ruas, subi no alto do edifício, localizei sua casa. Avistei carros, barulho de motos e pessoas a caminhar logo abaixo. Mas não vi você. Falsifiquei a realidade por alguns instantes. Era meu modo de fantasiar a rispidez que dá gargalhadas da minha cara boba. Esperei a senhora verdade me puxar com força e me fazer tocar ao chão, mesmo que no alto. Ela veio. Acho que finalmente consegui ver o que não queria, o azedo que acabamos nos tornando. Coração que não palpita mais, a troco de umas sinceridades fora de hora. A troco de um sentimento pela metade, ou quem sabe, da ausência dele. Seria tudo invenção em meio ao passatempo que é a vida ou o enfeite mal arrumado de um pensamento que já divagou? Não sei. Só sei que de longe tudo é meio amargo. Quando perto, é doce. Doce que me enjoa, mas me impede de empurrar o prato e dizer: 


Não quero mais.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Provisório

Como não podia ser outra, fui eu mesma. Não criei expectativas, fiz de conta não me apegar, abafei sentimentos e vontades loucas, forjei a cara de apaixonada com maquiagem escura. Saí por aí atrás de uma peneira que tapasse meu sol, um amor que suportasse minha lacuna. Minha necessidade por atenção, minha desistência por migalhas. Fui a procura de um copo quase a derramar num boteco, de um sorriso que formasse pés de galinha, num abraço que durasse mais de dois minutos. Não encontrei. Então sobrevivi e continuei fingindo ser feliz com esse pouco que me resta, com essa enorme falta amortizada pelos conselhos, com esse jeito insensato de estar satisfeita com centavos de amor. Tenho dado muito crédito ao amor inventado e contrariado quem não acredita que nascer e morrer são só o princípio e fim de uma piada de mau gosto. Ao mesmo tempo, é estranho ter paciência e cara pra me submeter a encontros pela metade, beijos rápidos e palavras mentirosas. Acreditar no inacreditável e soprar absurdos pra quem desiste de viver na primeira topada. O que eu defendo em duelo com a minha abstinência de toques. Sendo esta a minha forma de caminhar sem sapatos, invento um meio de desmistificar a ideia do amanhã, e viver esse hoje acreditando no infinito mesmo sabendo que ele não existe. Levar aos trancos e barrancos, com um sorriso meia lua e com o pouco que me é cedido, impedindo que a sobra me alcance. Me sento em frente ao mar e invejo os grãos de areia tão minúsculos, mas que formam vidas intrínsecas, vastidões iluminadas pelo sol que resseca e pela chuva que refresca. Invejo porque assim quereria meu sentimento. Coisa sem nome, pronta, esperando para ser alastrada, descoberta. Sem (a)mar, sem abundância, desvio meu campo visual dos grãos de areia que formam desertos e desprezo a garrafinha improvisada de água para me manter viva. Por pouco tempo. A fonte de ilusão vai acabando e a miragem me acena de longe.

Quero mais água, mais tempo. Quero mais vida.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Urgência

É muito bonito sair do casulo e aprender a voar. Asas espaçadas, ares novos e cava vez mais vastos. Ser aprendiz simplesmente de tudo que me foi dado, feliz por tudo que me tornei e estou me tornando. Não me arrependo dos fios mal tecidos, dos textos mal escritos, dos amores mal amados. Tudo é parte da construção, ou reconstrução do ser que baila infinitamente. Céu azul e muitas folhas que caem das árvores, demonstrando leveza no toque, sutil chegada ao chão. Aprendi sim com elas e com o amanhecer: renovação, alma limpa, água no rosto, re-vida. Quedas e subidas. Todo dia. Porque é preciso, é urgente, é do que mais somos compostos já dizia Clarice, por urgências. Urgência por amor, por perdão, por plenitude espiritual e equilíbrio emocional. Doce vida que sorri pra quem está triste, mas que precisa ser desvendada a cada pedra interrompida, a cada passo atrapalhado. Vida bela que parece uma piada, mas que passa feito rio, com suas águas turvas e incessantes, não param. Invejemos os rios, as folhas, o amanhecer, as borboletas que aprendem a voar. Sejamos como eles: cheios de vida e incansáveis.


Mais uma dose de vida pra hoje.                         




Para ouvir!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Sweet november

Todos saturam os meses que passam no ciclo corriqueiro dos dias. Jogam em cima deles todas as fantasias, castelos e expectativas, ansiando pra a resolução dos problemas como se fossem fórmulas matemáticas: você me traz as respostas e eu paro de perguntar. No mais, quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas¹. Desistem e se entregam ao novo que chega, perfumando um bem-vindo na porta de casa ao sair, e começando o primeiro dia do mês com o pé direito. Patuás contra todo o mal que possa incidir em menos de trinta dias. Parece que a vida não continua, mas vive pausando para novas demolições do forte construído há pouquíssimas datas. Então novembro chegou e com ele todas as esperanças de um novo amor, um novo emprego, de novos projetos pra o ano que se aproxima. Que tal uma faxina emocional? Pois é. Outubro meio amargo se esvaiu entre as prévias destruídas pelo trator da desilusão e descarregou sobre as cabeças passivas uma nova dose de fé para aquilo que não se põe a mão. Nada além de esperar pelo super poder do tempo, o herói contra os males que nunca chega. Esperar e não fazer. Esperar e quebrar a cara. Mais uma vez. Por que um pacote de dias e não nós mesmos? Até quando iremos nos submeter a uma fração de segundos corridos para mudanças radicais se não for aqui, agora? Não... continuamos a optar pelo castelo de areia que o vento leva sem que nós percebamos e nos afogamos no mar de hoje e sempre. Isso também cansa porque a vida não é cronológica, mas é muito mais emocional, intensa, psicológica do que parece ser. A quantidade de aniversários celebrados não se comparam a maturidade adquirida e os presentes não devem ser entregues somente em datas especiais. A vida é redomoinho, contradição, surpresa. Flores se mandam depois de uma noite maravilhosa, convites se fazem num encontro casual, sorrisos são sempre bem-vindos. Dias não devem ser multiplicados e sim somados, cheios de energia positiva, pois assim a coisa anda melhor. A vida não é somente demarcação temporal e nem poeira para se varrer com alergia. O tempo sem datas é muito mais profundo e delicioso, despido de perseveranças que não se renovam. É muito mais que meras lamentações de um mês que não disse sim ao seu desejo. A vida e o tempo não estacionam, mas continuam. Basta ir vivendo para passar e não, passando para viver.




¹Veríssimo 
 

domingo, 30 de outubro de 2011

Alheia

Ensaiando na imaginação beijos de novela, eu me perco nas noites de sábado movimentadas por dentro. Saio na esperança pobre de encontrar alguém bacana como qualquer garota que possua sentimentos. Mas sempre tropeço no que espero e fico à mercê das ruas vazias e sorrisos falsos. Fico querendo algo que me vire a cabeça em menos de vinte e quatro horas e que me roube a razão. Me visto de preto, desenho os lábios com vermelho e sublinho as pálpebras, aquelas que poucos tomam nota. Na verdade, o que está por trás dessa maquiagem é o que realmente tem algo a dizer, mesmo que não esteja ninguém disposto a ouvir. Isso já faz tempo e eu simplesmente deixei de dar importância. As banais conversas e o copo de vinho me fatigam das madrugadas sozinhas e o costume já caiu no meu sangue, que apenas circula, vital. A solidão sempre foi minha companhia, e dentre as lamentações e o conformismo me vem lábios cerrados e indiferentes ao que todos procuram nas esquinas da vida, e até consigo deixar escapulir um sorriso. Não sei se porque cansei de chorar feridas abertas pela diabetes dos sentimentos, mas a real é que ando bem alheia aos caminhos, desistindo de tentar acertá-los insanamente. Simples e calma eu sigo sem parar pra perguntar se estou correta porque o que me dão de referência não serve pra seu ninguém, muito menos pra mim. O que me resta é apenas a vontade silenciosa e paciente que não desespera, apenas amacia minha apatia ao lado punk das coisas sem explicação. Não me sinto perdida, nem equilibrada, mas me sinto no lugar que deveria estar. As línguas compartilhadas me chamam e eu vou sem pensar muito, pois beijos nunca foram contratos de quem nada tem a nos oferecer. Estar disponível para o homicídio de um desejo não significa uma prisão, mas cada vez mais uma liberdade que grita. A velocidade da luz e das emoções fantasiadas de sentimentos acabam por agir na minha existência. Por fim, assisto ao mover do dono do all star e das minhas emoções. Felizmente Deus não dá asa a cobra.


A melhor coisa é prender-se ao coração libertino.
A pior é ele desejar algemas.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Metamorfose

Texto escrito há alguns meses.
Prova fiel de que não sou fiel. Sou mutante.

"Tem um dia que a gente simplesmente cansa de acreditar no destino somente quando este é favorável, cansa de ser realista e pés no chão demais. Como um fogo que consome, todos os rótulos para sentimentos somem nas cinzas e um bom remédio de tempo ajuda a gente a se livrar de ficar na defensiva até na hora de sorrir. É como se o tempo de vida falasse mais alto do que o que se foi aprendido desde a infância. Colocar o paredão da morte que nos espera torna-se incrivelmente útil diante das pequenas coisas da vida. Deixamos de acreditar em nobreza e divindade de sentimentos e passamos a vivê-los mais na íntegra. Porque um abraço, um beijo, um carinho, uma palavra pode abrigar a parte mais mole de todo ser humano, nosso coração, contanto que isso seja com vontade, com verdade. Depois, a gente para de olhar pro inalcançável e de esperar que a felicidade que dorme secularmente lá em cima. A terra chama, o fogo alenta, as paixões humanas consomem. O medo se torna minúsculo diante da imensidão da existência. É pra se jogar mesmo, de cabeça, pois vai doer. E se doer, passa. As atenções mudarão, as estações e as pessoas também. A vida não pode ser clichê, quanto mais os sentimentos. Evitar é a pior forma de sentir. Esperar é o silêncio mais incômodo de se ouvir. Mas viver é a forma mais deliciosa de ver, de tocar, de sorrir."


Now playing

domingo, 23 de outubro de 2011

Foi para ti


Eu continuei aqui, junto a mim, quilômetros de distância de ti. Não pude mais enxergar o velho inferno dormente que me fazia adormecer por cima do teu colo, por horas consecutivas. As palavras eram belas e articuladas pra um nada, um espaço que só eu podia preencher em mim. Porque sempre me ensinam a não me jogar de cara, a deixar de me arranhar em paredes velhas e daí, rememoro os dias cheio de anestesia que você insistentemente me aplicava. Fosse como uma estratégia de agarramento de uma eternidade mentirosa, ou por mera inteligência que me dispunha atualmente. Mas não quero invadir seu hoje, em busca de respostas de ontem. Um ontem solitário que me faz fechar quase completamente os olhos para uma visão mais nítida. Aceitei por fim, que dessa nitidez eu não preciso, até porque meus óculos estão guardados na caixa, e meu coração, na contracaixa.

O mundo é bão Sebastião

Me sinto um bichinho que escapou da mata e foi parar na estrada, onde nada tem a ver, nada cabe a existência, tudo é nonsense. Sim, é assim que me sinto no lugar que me jogaram pra nascer. As pessoas me assustam e o asfalto confirma meu tédio. O coração de pedra, a alma como um arranha-céu, me sinto pequena, inútil. Aquilo a que suspiro toda hora não me alcança, pois o que vejo é tão concreto a ponto de me furar. Os sentimentos verdadeiros caíram por terra e eu me perdi na cidade grande, de pessoas grandes, mas de corações pequenos. Cheias de títulos, cheias de razão, sem amor. Mas quem me manda querer ser grande e ter coração maior ainda? Talvez isso seja uma espécie de deficiência sentimental. Meu amor não tem crédito, e por isso o guardo na bolsa ensaiando pelo momento de poder entregá-lo. Me disseram que isso não é amor, isso é qualquer coisa lá que não se deve dar a ninguém, pois quem há de merecer? E eu insistentemente acredito em seu poder e o deixo envolto pelo quartzo branco que minha mãe me deu, na tentativa frustrante de conservá-lo. Permaneço a driblar as ciladas que a gente grande me faz cair toda hora, e que eu ingenuamente reajo com dor. Que bobagem! Eu sambo também pois nunca é tão tarde para se passar tempo num mundo-casa. Nem tudo pode assim cruel, moça. Aqui também tem alegria enquanto se aprende a conviver com essa gente, mesmo não sendo igual a ela. Porque as coisas boas e puras ainda existem mesmo que tão invisíveis e poucas entre o rachar do asfalto quente de todo dia. O que falta são os praticantes. Será? Sim, já foi. Prefiro pensar assim, a ter que me afogar numa bebida de um bar qualquer e camuflar minha angústia. Resmungar da vida não faz meu gênero, mesmo sendo bombardeada com o viver dos outros - conviver, nada fácil. O que desejo, nunca terei. Então os sentimentos se reúnem e combinam para serem autossuficientes me invadindo numa ciranda, por muito tempo. A força deles é meu motor. 
Mas alguém há de acordar e me surpreender? 
Cuidado, isso não é muito de se esperar, pois o mundo ensina a esperteza, mas não traz a sabedoria. O mundo ensina a mentir, mas não a esconde a verdade. O mundo oferece os cargos, mas não te livra de virar pó. 


O mundo é bão Sebastião¹, mas não ensina a amar.




¹Música de Nando Reis

sábado, 22 de outubro de 2011

Versus


Odeio quem me rouba sorrisos, mas me traz lágrimas. Odeio palavras mentirosas, as quais eu insisto em acreditar. Odeio castelos e historinhas de princesa, quando na realidade quero ser uma. Odeio quem me tira do chão pra não me fazer voar. Sim, odeio mesmo. Odeio quem fala demais e faz pouco. Quem conquista e some. Mas odeio quem fica e não conquista. Odeio explicações para o inexplicável. Odeio estar certa e perder a razão. Odeio quem ocupa meu pensamento, mas não pensa em mim. Odeio o zero na caixa de mensagens, e as milhões de desculpas. Odeio quem começa e não termina. Quem tem vontade e não se permite. Quem sente a liberdade, mas não se liberta. Odeio tudo que prende, mas odeio o soltar demais. Odeio os extremos, prefiro o equilíbrio. Odeio a paixão e também a atração. Odeio o saber e o não saber. Odeio a falta de elo e odeio o fingir deles. Odeio cara bonita e alma suja. Odeio convivência, odeio ausência. Odeio o ser humano, mas preciso dele. Odeio as fantasias, mas vivo delas. Odeio o odiar, mas eu amo tudo. Eu amo odiar quase tudo. Amo o ódio que me traz você. Amo o pensamento que estaciona num ódio bom. Amo ser humana e ser um lixo às vezes. Imprestável, desprezível. Assim como você. Amo o amor dos outros. Odeio o meu. Porque o amor que é meu não é amor. Mas é um ódio misturado ao amor. Esse amor odioso que tenho. Que sangra, que escorre... 

O amor que inventei por você. Mas que não passa de um ódio provisório.

Nada é permanente.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Astro-não-mia

Não sei se pelo meu pai ou pela minha infância recheada de historinhas do firmamento, sempre fui observadora assídua do que via acima de mim: o céu. Lá era onde meus sonhos pousavam e me olhavam brilhando por intermédio das estrelinhas. Eu também acreditei que fosse criar verrugas se apontasse... que bobagem! Toda minha infantilidade está conectada ao espaço sideral e no que nele eu imaginava ser. Criava tanta coisa, que me perdia nas nuvens de imaginação, enquanto meu pai insistia em me explicar o escorpião formado pelas estrelinhas e o cinturão de Órion. Sem fala nas três marias, do vermelho de Mercúrio e na pequenez de Plutão.


Tive o imenso regozijo de observar de um telescópio os anéis de Saturno e as crateras da nossa amiga Lua. Não para o que escolhi pra seguir profissionalmente, mas dentro de mim sei que tem um pouco de astronomia. Minha relação com os planetas que eu teimava em enxergar sempre foi de real cumplicidade. Hoje em dia, poucas vezes me transporto pra o imenso universo estelar. Esses dias mesmo parei, sentei e fiquei abismada assistindo ao espetáculo da presenteada noite - mas que meus dias deram pra embaçar - imaginando que cada coisinha que brilhava era como uma pessoa, mortais com cara de infinitas. E pra quem não sabe, as estrelas e o sol (como a maior delas) também morrem. Desejei ainda querer ir pra lá quando partisse de vez, pois assim poderia observar a todos aqui embaixo e esperar àqueles que amo, cintilando para dizer da tamanha saudade. 


Talvez genético, mas meu irmão também gosta do céu. Ele quer voar, ser piloto, mas poucos acreditam que um dia será. Infelizmente há pessoas que não acreditam nas estrelas; preferem os terrestres que se afundam na terra. E eu ainda opto por caminhar olhando pra cima. Falando assim, me recordo o quão é revitalizante viajar de avião, pois sentindo-me mais perto daquilo que o homem não põe as mãos, não me permito parar de olhar através da janelinha. Como uma mosca tentando se adaptar a um universo especialmente divino, de que ela parece não fazer parte. Penso que é tão maravilhoso poder fazer parte, mesmo que pequena, dessa vastidão. 


Quando criança, vi alguns objetos estranhos no céu estrelado de uma noite dos namorados. Era um disco voador, creio eu. Ele só me apareceu uma vez e me deixou a imagem gravada para todo o sempre. Foi rápido como algumas coisas que acontecem na vida, daquelas subitamente marcantes. Também vi estrelas cadentes como dizem no popular. Na verdade, são os meteoros, meteoritos, cometas... mas que pra mim é tudo estrela cadente. A historinha do pedido ainda é válida, pois se hoje eu vejo uma, imediatamente corro pra fazer o meu, por mais que a estrelinha não realize meu desejo - já virou ritual.


Não sei ao certo o que me induz a escrever tudo isso aqui e agora, mas olhando pro céu, percebo que lá continuam meus sonhos de criança a flutuar nos ares limpos enfeitados por coisinhas miúdas e brilhantes. O céu é meu refúgio para pedidos, alegrias, tristezas, reflexões e acima de tudo, é minha utopia. Não consigo passar muito tempo sem me jogar no foguete e me mandar pra o espaço pra admirar as coisas belas que por lá encontro. Aqui na terra às vezes é seco e isso me cheira a rispidez. Lá é melhor, frio, úmido e excitante. Lá tem luz, diversidade, imensidão, harmonia, beleza e o mais lindo dos deuses, como diria Renato: o infinito.


Tudo que nos falta por aqui.


Quero tecer de palavras o céu de fantasias. Quero estrelinhas nas minhas entrelinhas.


"Desculpe estranho, eu voltei mais puro que o céu."


                                                                                              Para ouvir

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Desejo

Chega um momento que aquela coisa de que tudo tem sua hora começa a parecer mais perto, mais palpável. Hora em que as coisas começam a fazer sentido e o que dizem não soa tão provérbio. É aí que o coração palpita e a alma entende. As sintonias resolvem andar de mãos dadas e as coincidências (ou não) aproveitam pra chover no seu quintal. Às vezes vem como temporal e te cercam em casa somente para assisti-lo. Os gostos decidem por se encontrar na pracinha e se beijarem como apaixonados loucos. Como em um começo que sempre é bem-vindo. Bem entendido como uma fração de tempo eterna. Como uma primavera: provisória, mas que se prolonga com um olhar, um toque, uma vontade gritante. Sim... é aí que a boca treme e a mão gela porque o sangue corre pra outras esquinas para esperar a hora de entrar com tudo. O corpo fala alto, as palavras ficam mudas. O momento merece asteriscos de cintilações. O arrepio é um aviso sussurrante. Quente, frio. Bom como a estação. Uma pena é durar pouco. Avassalador e dominante.


Ainda assim, te dou a vez....


Desejo sem governo.

Outubro


Outubro chegou e com ele, meu aniversário que se aproxima. Apenas um lembrete na porta, um despertador para avisar que o tempo está passando, e eu morrendo. Eu me levanto, esfrego os olho em busca de uma nova luz que me guie paz. De alguma forma, me vem a lista enorme de coisas a fazer do ano velho pra cá, e recordo que nem metade destas eu realizei. Mas os planos estão lá, no papel. Não tenho visto mais quem eu queria, nem terminei as aulas de violão, não iniciei a dança, não entrei na academia, nem muito menos aprendi francês. Li menos livros do que eu gostaria (até aqui), não me distanciei do que me fez mal, fui de encontro aos meus valores, dei valores desmerecidos, fui besta, sofri sem necessidade. Mas fiz mais planos ainda, sorri demais, me arrependi e consegui rir das desgraças, perdas. Comecei a trabalhar, encarei alguns medos, fiquei mais mulher. Tudo meio que involuntário, como se a vida resolvesse me dizer vários sins de uma vez, apesar dos pesares. Acho que fiquei mais independente, apesar de sempre tropeçar sozinha no ônibus. Meus dias me vestiram e me encheram de vida. Saí menos, entendi mais as pessoas e seus problemas. Ouvi bem mais os outros, e com a minha boca usei cadeados. Até aqui, vida amorosa pouca agitada, mas dias tão bonitos. Felizes, claros e cheios de esperanças que me embalam. Pra algo que me espera, pra um abrir de portas que me mantém intacta e com um sorriso nos lábios. Fortaleci laços também, descobri irmãos, quebrei a cara, mas perdoei pra caramba. Engoli muito seco quando o que eu mais queria era mandar toda a sociedade ir se fuder. Eu me descobri, e até agora não consegui me definir. Nem quero. Gosto desse enigma de ser, de viver, de conviver. Pra mim, não há algo mais fantástico e desafiador... Reviro fotos e elas riem da minha cara arcaica, que desmonta castelos invisíveis. Não tenho culpa por ser memorialista, saudosista, romântica mesmo parecendo uma pedra. Vivo errando também, odeio a ânsia de pessoas que só querem ter razão e que se escondem atrás de suas fraquezas. Eu gosto de quem se despe e de quem se joga mesmo. Odeio os politicamente corretos, apesar de ter que aturá-los - não quero parecer ser. Tenho odiado quem acredita em milagres sem mover uma palha. Os que usam viseiras e vivem de mãos atadas. Pois mais um mês do ano está indo, o outro chegará logo mais. Se você não muda, nada mais mudará. Data nova, inédita, mas dias que simplesmente continuam. Tento me juntar a eles e corro pra não perder o trem. Arrisco mais e desisto de ter que arranjar um motivo novo para reclamar da vida velha. Acho isso tão sinônimo de comodismo...


Incômodo.

Talvez porque o mais difícil seja se renovar, sendo exatamente o mesmo.


Go ahead...

domingo, 2 de outubro de 2011

Pensar para viver


Eu gosto e sempre paro pra pensar no mistério da vida. Às vezes pareço boba, ingênua, idealista. Ao mesmo tempo pareço ferrenha, realista, pés sobre o chão demais. Mas pensar nela já faz parte do minha coleção de incógnitas. Vez em quando, acordo amando o canto dos passarinhos que abrem meu dia, me abobalho olhando pro céu, encho o olho de lágrimas ao ver o sol se pôr e ao nascer também (isso parece tolo, mas é verdade). Me pego sentindo a brisa e fechando os olhos, reparo numa folha caindo no caminho da faculdade, em um animalzinho que passa por mim. Sou fascinada pela natureza, tenho paixão por tudo que vem dela. Nessas pequenas coisas, vejo o quanto a vida é bela, é importante, misteriosa e boa. Não acho que seja curta num sentido vago como dizem por aí. Depende de como você aproveita ou não seu tempo. Sendo bem vivida, poderá até ser curta, mas bem aproveitada o será também. Se muito longa, pode ser exaustiva. Tudo está de acordo com o referencial e a maneira como se encara esse presente.


De repente, me flagro triste pensando nessa mesma beleza a qual descrevi. Não sei ao certo o porquê de eu tanto me preocupar e de achar que não vivi tudo que gostaria, mas bate um medo dessa coisa às vezes. Também a acho cruel, e de fato ela é. Arrancar quem nós amamos sem nenhuma explicação sequer é o que mais me intriga. Sem falar nas doenças, na pobreza, na desigualdade, na loucura, na crueldade e suicidas. Temos ene motivos pra temer a esta despida tão dual. Mas como já dizia o Toquinho, a vida sempre tem razão. Só sei que é preciso paixão... E é mesmo. Até o dia de hoje, eu a levo de forma tranquila tentando sempre olhar seu lado colorido, pois se for apenas partir de um ângulo pessimista, provavelmente já me teria me jogado do décimo. Não julgo quem é pessimista, diga-se de passagem. Cada um tem seus motivos, sua história e nisso, ninguém poderá intervir.


A vida deixa marcas e disponibiliza também momentos difíceis. Aceitar isso não dá, pelo menos pra mim. Quem sabe engolir a força. Tenho sempre a impressão de que tudo deveria andar conforme o desejo de todos, e que as coisas vis não deveriam existir simplesmente. Parece que não só eu, mas todo mundo tem um pouco dessa ideia de que coisas ruins são apenas coisas ruins. Falar de aprendizado é meio que inútil pra quem já sofreu abalos sísmicos de existência. Mas ele existe, sabemos.


A vida é meio que o desafio de sempre tirar o coelho da cartola; e não só de tirar, mas de saber tirar. A vida é a coisa misteriosa mais bela e rude que já vi. A coisa mais linda e vulgar. Existe pra quem quer e quem não quer. Pra quem acha que entende e também pra quem não entende. Ela está aí pra quem sabe viver; se é essa mesmo a fórmula de não tirar ninguém de uma obrigação a vir escrever isso.


A vida nada mais é do que uma busca incessante, uma felicidade intercalada - que os otimistas concordem comigo. Para os pessimistas, um tédio intercalado. E para os neutros, um composto de momentos.


Mas uma coisa é certo: no dia que alguém entender a vida, parará de viver. Pois o enigma é o que nos prende no agora, no aqui. As surpresas são o que nos encanta e o que nos desencanta num piscar de olhos. Essa sede por respostas, só faz com que cada vez mais ela venha e mude as perguntas.


Perdas e ganhos são seu segredo. Mistério é seu segundo nome. Viver, seu verbo mais cabível.


Para que vivamos...

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Aquela que vem das selvas

Eu gosto do que vejo, do que não sinto. Curto mesmo essa minha indiferença ao amor. Às vezes me distraio enquanto ando, procuro por olhares, dou de raspão em corpos que não me percebem. Me sinto leve, louca, solta. Me sinto bem nesse passatempo que é a vida e me ocupo de papéis acadêmicos. Não tenho tanto tempo pra ler livros estilo "Como agarrar seu amor". Devo ser um pouco fria até que me esquentem. Não me liminto a conhecidos e nem tenho medo de quem me aborda. Só acho que não dá pra mim, não é pra mim, não é a hora. Confio no destino, o qual não faço parte. Desconfio de mim e na minha boa amizade com o sexo oposto. Fico na platéia vendo minha vida passar sem medo de perder tempo, apenas assistindo como quem assite um filme comendo pipoca. As dicas de se vestir melhor, cuidar mais da aparência já foram por água a baixo. Se tento subir num salto quinze e me enfeito de pérolas, não me sinto eu. Me sinto a menina-desesperada-para-arrumar-namorado. Não acho que seja assim. Estar bonita é uma questão de amor-próprio e não de pré-requisito de conquista barata. Então me despojo em roupas repetidas e unhas cor de unha. Gosto do natural, do falar natural, do se vestir natural, do ser natural - pode me chamar de selvagem. Meu nome veio do latim "aquela que vem das selvas", então não é de se estranhar muito. Saio por aí cheia de pensamentos, mas vazia de falsas e fatigáveis expectativas. Desfiles de casais e marketing amoroso não são comigo. Já larguei as esquinas do centro e os lugares inusitados para se encontrar meu grande amor. Abri mão de tentar forjar poses para atrair olhares. Ando de cabeça mais baixa, mas com um sorriso mais sincero. Uma roupa mais básica, mas o coração requintado. Não preciso mais de rótulos e fugas de mim mesma para aquilo que se dá pelo cheiro, pela pele, pelo dizer "Eu quero". Eu quero sim. Mas só quero quando a sintonia bater e os santos se entrecruzarem. Não aquilo que me ditam o tempo todo. Uma pena é que poucos saibam a diferença entre dar a mão e acorrentar a alma¹. Não me forcem a amar de mentira.


Porque eu não gosto do que vejo, mas gosto do que sinto.


¹ Shakespeare - Aprender


Verdade

Pior do que sentir-se cheia do silêncio, é sentir-se vazia das palavras. Palavras atiradas, nunca mais voltadas, se não revoltadas, para perto, para o espaço. Cuidado com elas! advertiu alguém que as arremessou de um abismo chamado verdade.


Mas que a verdade seja dita.


                Jamais silenciada.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Faz diferença


Há um mal espírito que ronda as ruas, as casas, o mundo: a indiferença. Ela soa no ouvido de quem grita, apodrece na alma de quem despreza, mata a compaixão de quem deveria ter pelo menos isso a dar. A indiferença é o mal de todos os males; é o que te faz passar por um mendigo na rua e não sentir absolutamente nada, além de um nojo desmedido. É o que te faz calar-se quando o outro implora por suas palavras; é o que te faz cada vez mais egoísta. É o que contamina, o que te cerca todo tempo, o tempo todo. Indiferença a um vira-lata; a uma criança de rua; ao motorista que te transporta todo dia; ao amigo que mudou de vida; a faxineira do seu prédio. Indiferença a um "obrigado" e um "bom dia"; ao garçom que te serve; a mãe que te colocou no mundo; ao delicioso um "eu te amo" fora de hora; a um bilhete velho, mas com palavras sinceras. Indiferença aos domingos de sol; ao passarinho que canta na sua janela; ao almoço feito com amor; ao abraço de surpresa; a uma palavra de paz na despedida diária. Indiferença é a ausência do "sim", a viagem do "não" e a permanência do "não vou mudar". É o fone de ouvido que te deixa surdo do barulho do mundo, do movimento, do redemoinho de sentimentos que te mantém vivo. É a camuflagem do está tudo bem e aquela velha história de finge que é verdade e eu finjo que acredito. É os pés abaixo do chão, o petrificado coração. Uma lacuna na vida, um buraco sem fim, uma latência de importância. É a ferrugem no olhar, os sorrisos amarelos, a cara lavada com o que tem de mais sujo. É o ralo da pia, por onde as coisas vão embora despercebidas. Inclusive diamantes que costumam chamar de vidas. 


Espero que o olhar para as coisas duras com o coração mole, me retire do patamar da indiferença. 


Isso faz a diferença.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Ele

Ele vem naturalmente calmo, recolhido e imprestável para paixões. Bombeia o vermelho, o desejo, e suspira mesmo que silencioso. Eu vivo a conversar com ele por telepatia, nós nos entendemos pefeitamente. Fizemos até um acordo: ele me dá segurança e eu em troca, dou um grande amor - que ainda não tenho.
Hoje me veio reclamar uma coisa, cheio de razão. Pergutou o porquê de tantos insistirem em sacudi-lo quando não é permitido, e pior, surtirem tal efeito. Eu respondi que talvez seja só uma fase, de insegurança, imobilidade efêmera. Sempre me apoiando numa certeza ingênua.
Daí veio eu, a questioná-lo o motivo dele ser tão cruel comigo, e de não andar mais depressa, pulsar mais forte, derramar sua cor sobre os ares, deixando as coisas mais moles. Mas ele me cobra o que tínhamos combinado. Paciência.
De um  tempo pra cá, ele tem parado de funcionar, de responder aos meus estímulos e se finge de morto o tempo todo, querendo me enganar e me deixar constrangida quando os outros perguntam como ele anda. Nem sobre sua função vital e básica, eu me atrevo a responder. Ele não me deu satisfação, também não quero mais saber dele.
Dentro da indiferença, ele já não bate nem apanha¹.
Andei tratando-o como algo que independe do meu corpo, dos meu gritos - uma coisa à parte. E me deparei com o maior de todos as fórmulas: o sentimento involuntário. Sem força, sem fé, sem ferro.
Compreendi que ele tinha vontade própria e que por esse motivo, parou de fazer acordos comigo, me acordei. Além do mais, eu descobri também que segurança e grande amor não são dívidas, mas dádivas. Quem sabe um dia eu as receba de um alguém.
Ei, mas nada de substituí-lo por uma pedra até lá, hein?





Eu estou falando do meu coração.






¹Música "Socorro" de Arnaldo Antunes