quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Aquela que vem das selvas

Eu gosto do que vejo, do que não sinto. Curto mesmo essa minha indiferença ao amor. Às vezes me distraio enquanto ando, procuro por olhares, dou de raspão em corpos que não me percebem. Me sinto leve, louca, solta. Me sinto bem nesse passatempo que é a vida e me ocupo de papéis acadêmicos. Não tenho tanto tempo pra ler livros estilo "Como agarrar seu amor". Devo ser um pouco fria até que me esquentem. Não me liminto a conhecidos e nem tenho medo de quem me aborda. Só acho que não dá pra mim, não é pra mim, não é a hora. Confio no destino, o qual não faço parte. Desconfio de mim e na minha boa amizade com o sexo oposto. Fico na platéia vendo minha vida passar sem medo de perder tempo, apenas assistindo como quem assite um filme comendo pipoca. As dicas de se vestir melhor, cuidar mais da aparência já foram por água a baixo. Se tento subir num salto quinze e me enfeito de pérolas, não me sinto eu. Me sinto a menina-desesperada-para-arrumar-namorado. Não acho que seja assim. Estar bonita é uma questão de amor-próprio e não de pré-requisito de conquista barata. Então me despojo em roupas repetidas e unhas cor de unha. Gosto do natural, do falar natural, do se vestir natural, do ser natural - pode me chamar de selvagem. Meu nome veio do latim "aquela que vem das selvas", então não é de se estranhar muito. Saio por aí cheia de pensamentos, mas vazia de falsas e fatigáveis expectativas. Desfiles de casais e marketing amoroso não são comigo. Já larguei as esquinas do centro e os lugares inusitados para se encontrar meu grande amor. Abri mão de tentar forjar poses para atrair olhares. Ando de cabeça mais baixa, mas com um sorriso mais sincero. Uma roupa mais básica, mas o coração requintado. Não preciso mais de rótulos e fugas de mim mesma para aquilo que se dá pelo cheiro, pela pele, pelo dizer "Eu quero". Eu quero sim. Mas só quero quando a sintonia bater e os santos se entrecruzarem. Não aquilo que me ditam o tempo todo. Uma pena é que poucos saibam a diferença entre dar a mão e acorrentar a alma¹. Não me forcem a amar de mentira.


Porque eu não gosto do que vejo, mas gosto do que sinto.


¹ Shakespeare - Aprender


Verdade

Pior do que sentir-se cheia do silêncio, é sentir-se vazia das palavras. Palavras atiradas, nunca mais voltadas, se não revoltadas, para perto, para o espaço. Cuidado com elas! advertiu alguém que as arremessou de um abismo chamado verdade.


Mas que a verdade seja dita.


                Jamais silenciada.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Faz diferença


Há um mal espírito que ronda as ruas, as casas, o mundo: a indiferença. Ela soa no ouvido de quem grita, apodrece na alma de quem despreza, mata a compaixão de quem deveria ter pelo menos isso a dar. A indiferença é o mal de todos os males; é o que te faz passar por um mendigo na rua e não sentir absolutamente nada, além de um nojo desmedido. É o que te faz calar-se quando o outro implora por suas palavras; é o que te faz cada vez mais egoísta. É o que contamina, o que te cerca todo tempo, o tempo todo. Indiferença a um vira-lata; a uma criança de rua; ao motorista que te transporta todo dia; ao amigo que mudou de vida; a faxineira do seu prédio. Indiferença a um "obrigado" e um "bom dia"; ao garçom que te serve; a mãe que te colocou no mundo; ao delicioso um "eu te amo" fora de hora; a um bilhete velho, mas com palavras sinceras. Indiferença aos domingos de sol; ao passarinho que canta na sua janela; ao almoço feito com amor; ao abraço de surpresa; a uma palavra de paz na despedida diária. Indiferença é a ausência do "sim", a viagem do "não" e a permanência do "não vou mudar". É o fone de ouvido que te deixa surdo do barulho do mundo, do movimento, do redemoinho de sentimentos que te mantém vivo. É a camuflagem do está tudo bem e aquela velha história de finge que é verdade e eu finjo que acredito. É os pés abaixo do chão, o petrificado coração. Uma lacuna na vida, um buraco sem fim, uma latência de importância. É a ferrugem no olhar, os sorrisos amarelos, a cara lavada com o que tem de mais sujo. É o ralo da pia, por onde as coisas vão embora despercebidas. Inclusive diamantes que costumam chamar de vidas. 


Espero que o olhar para as coisas duras com o coração mole, me retire do patamar da indiferença. 


Isso faz a diferença.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Ele

Ele vem naturalmente calmo, recolhido e imprestável para paixões. Bombeia o vermelho, o desejo, e suspira mesmo que silencioso. Eu vivo a conversar com ele por telepatia, nós nos entendemos pefeitamente. Fizemos até um acordo: ele me dá segurança e eu em troca, dou um grande amor - que ainda não tenho.
Hoje me veio reclamar uma coisa, cheio de razão. Pergutou o porquê de tantos insistirem em sacudi-lo quando não é permitido, e pior, surtirem tal efeito. Eu respondi que talvez seja só uma fase, de insegurança, imobilidade efêmera. Sempre me apoiando numa certeza ingênua.
Daí veio eu, a questioná-lo o motivo dele ser tão cruel comigo, e de não andar mais depressa, pulsar mais forte, derramar sua cor sobre os ares, deixando as coisas mais moles. Mas ele me cobra o que tínhamos combinado. Paciência.
De um  tempo pra cá, ele tem parado de funcionar, de responder aos meus estímulos e se finge de morto o tempo todo, querendo me enganar e me deixar constrangida quando os outros perguntam como ele anda. Nem sobre sua função vital e básica, eu me atrevo a responder. Ele não me deu satisfação, também não quero mais saber dele.
Dentro da indiferença, ele já não bate nem apanha¹.
Andei tratando-o como algo que independe do meu corpo, dos meu gritos - uma coisa à parte. E me deparei com o maior de todos as fórmulas: o sentimento involuntário. Sem força, sem fé, sem ferro.
Compreendi que ele tinha vontade própria e que por esse motivo, parou de fazer acordos comigo, me acordei. Além do mais, eu descobri também que segurança e grande amor não são dívidas, mas dádivas. Quem sabe um dia eu as receba de um alguém.
Ei, mas nada de substituí-lo por uma pedra até lá, hein?





Eu estou falando do meu coração.






¹Música "Socorro" de Arnaldo Antunes

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Fim do túnel


Sempre tem uma saída, uma luz no fim do túnel. O túnel do tempo e da vida. 


Hoje eu fui na correria, fiz arte, dei aula. Transformei meu tempo em aprendizado e vi olhos atentos, outros nem tanto. Talvez fosse muita pretensão minha querer que todos olhassem hipnotizados para a minha figura que se veste de professora, ali na frente no quadro. Barulhos de sons e carros vindo das enormes janelas, ao lado dos poucos alunos. Não sei de onde tirei magia, poesia, mas por uns instantes me senti feliz e realizada ali, onde os poucos continuavam a prestar atenção em minha leitura labial e minha voz mais pra grossa do que pra fina. Fina só quando monitoro. Mas subitamente, uma agonia, uma vontade de jogar tudo pro alto e sair correndo. Vozes, carros e vento juntos, fazendo barulho e conseguindo superar a luz dos olhos atenciosos, tomando o espaço por baderna. Estresse, falta de fôlego, vontade de renunciar minha paixão, abrir mão do que escolhi. Nessa passagem de duas ondas, uma tranquilizadora e acolhedora e outra forte e destruidora, permaneci na linha tênue. Consegui estabilizar um pouco a situação, e fiquei sem mais nem menos dividida entre ser a professora cansada e o ser humano intimamente feliz. Digo aqui que nem tudo que se desabafa em um blog pode ser drástico demais, ou feliz demais. Agora não, hoje não. Descansei na corda bamba e bipolar que me segurou. Então saí à rua movimentada, tropecei com duas amigas queridas, daquelas antigas que a gente carrega no peito. Daí tomei meu caminho para casa e vim pensando no que seria de mim sem meus altos e baixos, hoje particularmente, tão próximos e suaves. Pensei na continuação apesar de tudo que me acontece e na linha reta que me levaria ao meu conforto. Porque a gente sempre cansa de reclamar de bobagens e aspirar por perfeições sublimes em situações tão curvilíneas. Começamos a perceber que aquela luz no fim de túnel, aquela flor no asfalto podem estar nessa face dupla que é o despertar pra existência. Despertar esse que pode se dar em uma crônica simples ou numa sala de aula desatenta.


Doce dualidade que me carrega.

domingo, 4 de setembro de 2011

Unilateral


Às vezes bate um surto. Desses que os loucos tem em manicômios. Mas eu surto aqui na minha mesmo, grito pra dentro e estaciono a dúvida que me move. Não entendo por que raios toda história de amor tem que ser unilateral e por que uma coisa tão bonita tem que ser tão complicada. Sempre e sempre. Essas perguntas sem respostas me incomodam, dentro do meu cubículo cerebral. Tento ver pelo o outro lado porque há os que não mantém essa relação histérica e injusta que é amar sozinho - em toda regra há exceção. Sinto-me fatigada dessa repetição de historinhas de amor. Sempre um se machuca feio, enquanto o outro sai apenas com alguns arranhões como se tudo funcionasse assim, sempre assim, necessariamente assim. Os dois perdem, mas um perde e sai ganhando; o outro perde e continua perdedor. E porque tentar mudar essa situação pífia é quase dar um tiro no escuro, é uma tentativa em vão. Não, não, não. Parece-me que tenho que engolir essa lei torta para meu coração reto de que a justiça tarda e falha. Ela falha mesmo, e não deixa suspeitos de um crime qualquer. Porque sempre que o outro volta, o outro já tem sentido outros cheiros, e beijado outras bocas melhores e como uma roupa, troca; ou quem sabe, apenas transfere o sentimento, como a gente transfere dinheiro na conta bancária. É tudo tão assim, móvel, súbito e quase sem sentido. Cansei desses chavões de que um sempre sofre mais, e que a distância serve pra se dar conta do sentimento, e que a presença cega, e que é preciso perder para querer ter. Cansei de ter que esperar essa tortura a que todos estão indiferentemente submetidos. Cansei de não ter uma revolução dessa ideia conturbada e sufocante, como as revoluções na história do mundo - morte e mobilização. Matar o desvalor, matar a indiferença e a cegueira. Por que não fazê-la na história do amor? Sinto-me falando pra nada, pra ninguém como se eu quisesse concretizar um conto de fadas infantil. Mas de alguma formal banal, estranha, eu entro de acordo comigo, e continuo arisca. Cada vez mais por eu ter aceito isso, ter vivido isso que tanto rebato.


E sem negar desgraças, afundo-me no copo da hipocrisia.