Recebendo boas inspirações de Fernando Sabino, Rubem Braga, além das belíssimas crônicas de Cecília Meireles venho aqui de forma espontânea e ao mesmo tempo articulada pôr em prática o que ando ensinando. Se eu disse que isso era livre e pessoal, sinto-me à vontade para desfrutar do meu mix lírico e reflexivo. Este espaço me permite. Certo dia, eu estava a caminhar sem grandes expectativas de encontrar uma roupa legal nas lojas lotadas, nem muito menos com uma alegria estampada na minha face sonolenta. Não preciso de muita subjetividade para dizer que simplesmente eu estava me sentindo triste, inútil. Pensei por um instante que teria sido aquela uma maldita hora para camuflar a tristeza no centro da cidade, caótico de uma sexta-feira, em plena Maciel Pinheiro. Eu estava enganada. Resolvi desistir dos meus passos e repassei todo o mal-estar emocional pro meu corpo que só sentia tremidas constantes nas pernas e uma fraqueza meio inexplicável. Suspeitei de uma virose. Não era virose, mas sim aquela coisa que chamam de sentimento mesmo. Então sentei-me num banco e observei meticulosamente os passos apressados das pessoas que desfilavam à minha frente. Gente que tem cara de relógio, trabalho e emoções tão bem engravatadas que era quase impossível decifrá-las. Só que as minhas emoções frágeis eram muito aparentes, e ninguém enxergava. Ecoei em silêncio Por quê? A resposta só obtive uns dias depois, a qual formulo com uma das passagens do livro O Pequeno Príncipe: Só se vê bem com o coração: o essencial é invisível aos olhos. Isso é o clichê virtual mais verdade de todos. Pelo menos para mim que vivo no meu inventado B-612, válvula da realidade atroz. No entanto, passei mais de uma hora sentindo o sol insistente em queimar minha cabeça e junto com ele, eu insistia discreta por um olhar de misericórdia, de amor, de bem, de algo que melhorasse meu dia ensolarado, mas tão nublado. Continuaram todos a me ver, ninguém a me enxergar. Desisti, entreguei as cartas, perdi o jogo na tentativa sufocante de acertar seres humanos errantes. Eles não me acertaram, eu me errei. Fui embora dali, tentando passar uma borracha nos pensamentos turvos que me atordoavam cada vez mais que olhava os pés ligeiros. De repente, um homem. Inusitado, comum, olhar perseverante, suor de trabalho traduzido pelos seus gritos, levando uma caixa na cabeça - devia ter água lá dentro. E tinha. Ele era o vendedor de garrafas e copos de água. Sem nenhum estímulo para bebê-la, mas sentindo uma mistura de caridade e uma sede inventada, bateu uma vontade repentina inquieta de comprar o copinho com as moedas guardadas no bolso. Eu iria ajudá-lo com o seu ganha-pão e eu ia me sentir mais humana, ou melhor, mais divina porque de humana eu já estava farta. Porém, algo me esbarrou: um orgulho, uma vergonha, uma preguiça, não sei. Não fui, apenas o observei a poucos metros de mim, de costas, fatigado pelo sol e pelas pessoas que desapareciam rapidamente aos seus olhos cansados. Aos meus, eu já tinha entregue os pontos. Virei-me e ao esperar que pelo menos os carros tivessem prudência e me deixassem passar, alguém pega no meu ombro e diz: "Jovem?" Com a mesma cara sem graça, respondi um "oi" azedo. Era aquele homem, o mesmo que estava a gritar perto de mim "A água é 1 real!" Ele prosseguiu: "Olha menina, Deus tem grandes planos na tua vida tá? Basta crer! Amém?" e sem que eu tivesse direito de resposta, ele se foi dentre os milhares de semblantes súbitos. Não tive chance de pensar que fosse uma estratégia para a compra de água, ou mais um fanático religioso na tentativa de me converter. Pra mim, aquele momento foi muito mais do que qualquer suposição. Foi singular, estranho, bonito, rico, simbólico. Mesmo não sendo religiosa, buscando poucas vezes "as coisas de Deus" e tendo uma concepção particular desta crença que circula o mundo com infinitas interpretações, esse homem me veio como uma luz que fez com que eu me sentisse importante e enxergada com os olhos do coração. Porque dentre tantas pessoas ali, seria justo eu a escolhida para o depósito de uma palavra de paz? Não sei. Mas querer entender tudo é querer saber demais. Eu não quero. Lembro-me então de que as melhores coisas da vida são quase indefiníveis, pouco compreendidas, e mais silenciadas para serem sentidas com a alma. Porém, coisas tão doces quanto as palavras daquele vendedor de água.
Nossa, amiga. Que lindo!
ResponderExcluirLendo esse texto me senti especialmente tocada, porque já estive em situação parecida. Porém no meu caso, eu não tive a presença desse olhar, muito menos de alguma palavra de paz. Mesmo cercada de pessoas que conviviam diariamente comigo. E o fato de ter vindo de um estranho é que transmite ainda mais esse sentimento de que esse senhor não chegou a ti por acaso. Porque muitas vezes essas pessoas que tanto nos 'conhecem', não são capazes de perceber que as coisas não estão lá muito boas ><
Bom, só espero que você esteja melhor e não posso deixar de dizer que se precisar, estou aqui :)
My.