domingo, 16 de dezembro de 2012

Despedida


Simulando o fim de um amor, se é que posso chamar de amor, vou escrevendo neste domingo de noite quente. Simulo porque dentro de mim a história já se aproxima de sua morte, sem ao menos ter começado na vida real. Um pé na cova e uma faca no coração. Eu dou por encerradas as linhas mal escritas desse romance sem jeito em que me meti a escrever desenfreadamente. Olhos cerrados de uma ausência presente. O carinho cansado por andar sempre sozinho me pediu um tempo, arrumou o velório pra solidão se instalar de vez. E depois de tentativas felizes em meio a carros alegóricos tristes, eu me ponho a chorar as últimas lágrimas na lápide cinzenta desse amor cadavérico. Pode parecer melancólico, doentio, cabalístico, mas os sentimentos estão aqui em graus escuros, umbral da minha alma frustrada por não gritar a dor fina que me quebra aos poucos, de dentro pra fora. Simulo e chego perto da realidade do fim, uma hora ou outra teria que acontecer. As flores brotadas no meu cemitério de amores não foram regadas senão com a chuva previsível, aquela esperada pelos meteorologistas. Agora reajo fria, calculista que nem eles. O que mais me resta? Ser coração não foi suficiente para ser amada e a cabeça não dá férias para quem não trabalha, para quem não se move. Eu quero saltar dessa ilusão, despedindo-me meio de lado, envergonhada por ter sentido mais, por ter feito tudo tão cuidadosamente sozinha. Sairei como um poema escrito nos últimos dias de vida de um poeta, marcante e singelo. Último vinho do ancião. Primeira luz que entra no quarto do enfermo para levá-lo embora. Resolvi neste minuto, sendo sempre horas, dias, anos... mas hoje, meu amor, declaro o funeral do meu sentimento trêmulo, ingênuo, bondoso para com a sua confusão, desorganização em que me afundei pelo o que tem de mais humano, quase nada de divino: o amor, se é que posso chamar de amor... antes isso fosse, antes isso fosse bom. Pelo menos aqui, pelo menos agora. Não simulo mais e despeço-me.

sábado, 11 de agosto de 2012

Entre você e eu, mil pedaços


Eu poderia me quebrar em mil pedaços e me lamentar até o fim dos dias, a fim de que você me enxergasse mais uma vez. Ainda reconheço seu cheiro quando passa um desconhecido. Ainda espero por aqueles drinks e conversas prometidas pós-teu-beijo-terapêutico. Não entendo o que me faz te policiar sem armas e escondida do mundo, através de fotos alegres com seus amigos de bar, do carro igual ao teu que me atravessa no centro caótico. Nada é tão concreto que me mantenha nesse teu muro de desaforos. Você sempre esteve mais dentro de mim, do que ao meu lado. Sei dos teus passos, dos teus abraços, dos teus amores descuidados. Sei de tudo que te acontece e faço de conta que não sei. Do teu horóscopo pareço distraída, do teu rock'n roll pareço desentendida. Invento para não transparecer essa vida tua que se infiltrou na minha, fazendo morada na varanda mental. Minha carne fraca reclama teu jeito forte. Você me desmonta, me desfaz, me faz deslizar. Desilude sem pena esse coração em vão. É que já não tem conserto esses remendos de amor. Os remédios acabaram, mas a dor não passou. Tudo passa, menos você com essa malandragem de quem não se importa com o importante. E enquanto isso, a sua vida acontece dentro da minha vida. Você nunca soube, nem saberá. Porque agora eu posso me juntar em mil pedaços e sorrir sem lástimas até o fim dos dias, a fim de que você deixe de existir para sempre.

Silvanna Oliveira

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O lado bom

ouvir!

Minha consciência conversa comigo na hora de encostar a cabeça pesada no travesseiro. Minha boca cala, meus ouvidos falam e dos meus olhos corre o rio em busca do peito já farto de dores miúdas e incômodas que resolveram dar as mãos, a fim de me matar aos poucos. No sufoco de questionar a falta de respostas das situações, não existe coração que suporte sozinho toda a dor abrupta de um nó desfeito com muito esforço, por quem sempre quis enfeitar a vida com laços. Mas minha consciência volta a me segurar e me resgatar forças interiores, as quais se fizeram desconhecidas até o momento de entender que nem tudo é compreensível somente partindo dos olhos óbvios e humanos. A limitação dessa vida me recorre, mas a profundidade espiritual me socorre do poço em que o mundo insiste em me afundar. E independente do que eu chore, eu ainda conseguirei sorrir e dizer sins para as pessoas, que têm fome dessa credibilidade muitas vezes tardia. Mesmo que seja ela uma peça tão rara para se encontrar em toda esquina de solidão, entre a fumaça do cigarro e a inconsciência da impulsividade, eu pagarei para ver. Ainda conseguirei com tudo isso,  me apegar mais ainda àqueles que me convencem da força da lealdade, sentida no enigma compartilhador de afetos que é o abraço. O que é verdadeiro atropelará a mentira espiã de olhos maldosos, viva no silêncio das palavras amargas, que me pondo em uma zona de conforto tão ilusória, se finda no espatifar de cristais ouvido em um adeus sem remorsos. Talvez aprenda ainda, que os fins são terapias para que nosso coração se recicle e um novo momento venha com esperanças juvenis a sonhar, e horizontes mais bonitos a tremer diante da vista enfadada pelas tristezas. Vida não seria vida se o fim fosse o fim de tudo. Meter a cara e o pé de novo é preciso, pois tudo pode parecer perdido, mas ainda haverá um papel em branco esperando para ser colorido, e um céu estrelado esperando para ser apreciado com a graça de um sorriso iluminador. As desistências não deverão se depositar no ódio, nem na indiferença da saudação que será mais o resultado de uma dor antiga do que uma formalidade banal, mas sim no recomeço. E como o mundo gira independente do que aconteça, assim também o farei. Com o esforço de uma paz alcançada e com um coração mais limpo da sujeira da humanidade. O lado belo da vida há de compensar. 



Silvanna Oliveira

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Certo, tempo!

A vida é um relógio com ponteiros invisíveis. E eu sempre tento mergulhar nessas horas de cabeça rasa e alma profunda - tenho dito. O meu coração é mais velho do que o resto do corpo e somente meus lábios rejuvenescem... a cada paixão desenfreada, a cada dose de alegria ingerida com as palavras de felicidade (instantânea), e de desilusão mais instantânea ainda. Enlouqueço e depois vou embora sem dar beijos de despedida, nem endereço para a esperança que quase brota. A volúpia termina onde começa o amor. E eu continuo normal por fora: minhas roupas meio shuffle, meus sábados à noite, meus goles já rotineiros... tudo aparentemente na linha, menos meu desalinho por dentro. Desalinho de acordar apaixonada e dormir com o coração na mão. De ter mãos quentes para aquecer e respostas frias para ouvir. De respirar e não poder dividir o ar. Com um ladrão de sorrisos que me traga flores, que me roube o ar, que me trague amor. É assim que transformo meus alvos afetivos em nuvens que tremem no céu. Se as tateio e as furo, volto sempre de palmas vazias, como quem se doa e se dói, nesta sequência. Aproveito e morro numa ilusão, que pairante sobre essas nuvens, dribla o alguém previsto nas cartas de tarô... fumaça solta e insistente que tem tempo limitado para se esvair! Mesmo sendo eu o tudo feliz, ou o nada vagante daqueles momentos efêmeros com caras de eterno. É, eu também acabo caindo nas ciladas de botequins, tombando na calçada desses amores trôpegos e de quinta categoria que chegam aos montes. Os mais refinados, apesar de demodês para um coração à frente do seu tempo, e de saírem de linha tão rápido quanto os minutos engolidos por uma boa memória e um bom vinho, me enlouquecem mais uma vez. Contradigo-me sempre. Meu coração junto a toda essa fugacidade, continua indo embora súbito feito alguém que beira a velhice esperando a hora de partir, sem concretizar metade dos desejos envelopados pelo tempo. Carregando olhos já cansados de ver tantos absurdos seguidos, tantos passos sem abismos, tantos suicídios em uma só vida. E assim eu me comporto dentro da normalidade cortejada pelos insanos que me topam todo dia na esquina. A dose diária de realidade, a espera do fim dos carnavais. Minha vida talvez seja um relógio atrasado ou adiantado demais. Quem sabe quebrado ou esquecido de despertar para o que chegou e foi embora. Ou para a hora que não chega nunca. Invisíveis ponteiros, será que existe mesmo o tempo certo?

Silvanna Oliveira

ps: Como diria Olavo, meu eu-lírico precisa de terapia rsrsrs

domingo, 20 de maio de 2012

O pouco poético


Hoje sou uma mulher de pouca prosa e muita poesia. E se antes eu precisava de muito pra dizer pouco, hoje o mínimo me preenche e ocupa minha falta de palavras. Palavras para dizer o óbvio, para cantar o exagero, para decifrar o subentendido da minha vida. Minhas vontades todas tecidas pelo desassossego de existir, silenciando para que o outro perceba o vocabulário inteiro... Hoje eu só quero menos espaço para muita verdade, pois chega de mentiras rasgadas, chega de hipérbole para nada. Se for rasgar o verbo que seja pra valer a pena os pretéritos futuramente lembrados, os presentes dados com sinceridade. Arranhar-me com as palavrinhas e machucar alguém com palavrões não faz mais sentido. Adeus a contradição! Porque quero o menos, o singelo, o discreto do dizer. O invisível do parecer. Ao menos hoje, ao menos agora. Antes que a prosa toda volte e a muita poesia vá embora.


(...)

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A mulher escrita


Por Olavo Barreto

"A poesia surgiu em seu olhar
Na mesma hora em que a lua surge no céu...
Palavras simples
Numa escrita feminina
De um sonho de menina
A uma musa plena que se esconde num véu

Sobre as águas andou
Entre tardes calorosas via as ondas do mar
E sobre cada correnteza, para ela,
A vida se propunha a contemplar

Olhos negros...
De vasta observação
Via além de suas pupilas
O bater de um coração

Verbo tão doce
Que se pode conjugar
Ela conjugou literatura
Fez dela sua cavalgadura
Para os outros encantar

Poesia de sereia
Sob a escrita viva em mel
Leva na face um luzeiro
Para transmitir vida em papel"




Poema dedicado a mim,
da autoria do meu amigo e poeta, Olavo Barreto.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

O homem que tem estrelas nos olhos


Eu tinha certeza de que era o meu herói. E tudo mais que me salvasse das tristezas, sofrimento e angústia por qualquer motivo. Segurar minha mão firme ao atravessar a rua, me pegar no colo com carinho, me levar para brincar, e simplesmente seguir todos os meus passos miúdos. Pois bem, eu cresci, e tudo isso passa na minha cabeça como um filme, neste dia 26 de abril. Dia importante, pois festeja o dia em que o senhor nasceu, e junto com ele, todo um exemplo de homem. Vencer na vida não foi fácil, e chegar aqui foi uma dádiva. Tenho orgulho de ser sua filha, e a certeza de que és o meu espelho, o meu sol, o meu guarda-chuva em dias ameaçadores, me abraça quando tudo parece estar perdido. Os melhores anos da minha vida foram resumidos à sua companhia marcante, e morar longe hoje significa a certeza do amor genuíno, que não se desfaz a cada quilômetro, mas aumenta no decorrer da estrada. O amor de pai, que não muda, não decepciona, apenas acalenta. Amor que proporciona um diálogo amigo, umas boas histórias pra contar, risadas pra lá de intensas; que rende música nas horas vagas, trilhando sonoramente nossas vidas para o resto dos dias. Sem falar nos conselhos, puxões de orelha e pequenas brigas com a justificativa do querer-me bem, maldito bem - certeza que hoje posso entender isso melhor. A meu grande e real melhor amigo, desejo muitas felicidades, saúde para uma vida tranquila e de paz. Que os cabelos brancos não te envelheçam a mente, mas te mantenham essa jovialidade perceptível nas curvas do seu sorriso e na expressão do seu olhar. Que o peso do tempo não te leve embora o encanto da vida e que a batalha não se dê por acabada diante das dificuldades inevitáveis. Que tudo que mais brilhe no céu, te devolva a mil anos-luz a felicidade de existir. Que o seu olhar astronômico de homem experiente em observar o universo, continue a atravessar o meu paralelamente. Pois nenhum buraco negro ou cometa ligeiro levará embora meu grande Amor.


Com muito carinho,


Sua filha Vaninha.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Maçã do amor

Um amor enraizado no coração é como fruta já saboreada, vocabulário já desgastado pelo uso. Um amor vindouro é como fruta verde, esperando amadurecimento; neologismo, inventando dicionário. Como a maçã que se observa mas não se come; como o te amo que se pensa mas não se diz. E ouso dizer que já tenho o gosto na ponta da língua: história com princípio, cama ao meio, dias sem fim. 




Para ouvir! 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Doce proibido


Engoli muitos desejos por você enquanto deitava a cabeça no travesseiro de sonhos. Imaginei nós dois gastando o mundo, rasgando ventos, na beira-mar e céu azuis. Criar milhões de imagens que não saíam do meu cérebro, minúsculo pra suportar tantas quimeras, era saturá-lo de paixão proibida. E sufocar tudo isso como alguém que tenta calar a boca com a mão ligeira, querendo engolir a chave que abriria toda a fantasia de debutante tímida. Deu certo, no meu universo onde tudo tem que dar certo, mas na realidade não. E hoje não me preocupo em saber o motivo desse não, meio amargo, meio salvador. No mais, consigo até rir das nossas conversas utópicas das madrugadas às esperanças, as quais adormeciam no meio do caminho ao palpável. Nada foi completo como desejávamos, nada foi tão belo como nas palavras, como no silêncio do beijo intenso de feriado. As entrelinhas disseram muito mais, juntas ao não-saber compositor de uma história de poucos capítulos, gostosa de ser lida, mesmo depois de algumas primaveras. Teu jeito largado me fez enxergar o homem mais culto do mundo, teu vocabulário desafiou minhas aulas de português, teu sorriso me lembrava sempre uma criança que acaba de ganhar chocolate. E sem perceber, você deixou minhas palavras incoerentes, transformou minha razão em risco, e me soltou no labirinto das emoções para que me perdesse e não voltasse tão cedo. Estar te escrevendo agora é sinal de que consegui voltar sim, pois se você não tinha essa intenção, eu tinha. Sacudi a poeira que você me depositou, o vendaval finalmente foi embora. Depois do desalinhamento causado por esse vento contrário, meu mundo voltou a girar dentro do tempo que voa pra melhor. E se me lembro de você é só assim, como um tropeço nas antigas paixões. Talvez um amor fora de época... Melhor do que ter prendido a respiração ontem, é expirar naturalmente hoje. Melhor do que relembrar com a cabeça, é esquecer com o coração.
"Aos olhos dele
Não acredito em nada. 
As minhas crenças voaram 
Como voa a pomba mansa
Pelo azul do ar. E assim fugiram
As minhas doces crenças de criança."

(Florbela Espanca)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Que explique a minha paz

Eu só queria um pouco mais. Por isso, fechei as portas do superficial e abri as janelas da intensidade. 


Os dias me consomem aos poucos, como a fumaça do cigarro que confunde a poeira solar em fim de tarde, esvaindo para o nada. Meus passos lentos entregaram todo o meu torpor de conquistar um novo alguém, de começar a ter as milhões de emoções, só que partindo do zero. Ouvinte de propostas indecentes e superficiais, me esqueço alheia às mesmas, saltando indolente com destino ao futuro do meu coração elegante e profundo. Não se podia esperar muito de quem já cansou de viver metades de tempo, vestígios de companhias e restos de amor. Sim, precisei mendigar por um mínimo de atenção e até vestir sorrisos fáceis para perceber que estas nunca foram estratégias boas de agarrar alguém para si. Aderir à ilusão de posse eterna e vulgar muito menos. E mesmo reivindicando meus direitos de sentir a dois, mesmo sabendo que o singelo é também robusto, e mesmo tratando de coisas destratantes, eu decidi por segurar a liberdade na mão e ser passiva de outras atenções, guardando um pouco da minha tão ingênua e fosca. Escondi a vidente que adorava prever errado e fechei os olhos para as expectativas cinzas, as quais encobriam minha visão de algo melhor. Acho que caiu bem em mim esse novo colete salva-amor, afinal, meu possível resgate não implica em esperas exaustivas, nem na ausência total de sentimento. Já-não-mais. O amor sempre fez parte de mim, como um membro que se amputado, faria falta e inibiria o movimento mais trivial. Ele é meu braço direito, o combustível que me move no mundo, meu perispírito em carne e osso. Portanto, renunciar das esmolas obtidas com suor amargo, não há de ser tradução da vontade de amar doce, nula, mas sim do desejo de uma história acre, viva. E com essa evasão pra dentro de mim, enxergo o quanto o sentimento mais profundo e vermelho me habita, inexplorado ainda porém belo. Conhecer o lado que gritava calado, implorando vez para desistir dos amores rasos, foi dissipar a calma até então inexistente e ter como resposta, o repouso no silêncio. 


Não há recusa do raso que não signifique um início de paz profunda.


ps: título referente à música "Casa pré-fabricada" na composição de Marcelo Camelo.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Mova-me, mov-ame

Eu queria que algo agitasse. No meu cubículo chamado coração, na minha mente chamada mundo. Para que esquente, proteja, cuide de mim. Ando precisando de muitos afetos que estão perdidos pelo ar, afogados pelo tempo afora. Necessito que alguém abra minha cápsula e mexa e decifre e descubra. Para que eu saia e só volte em instantes eternos, quem sabe. O absurdo monótono não pode adentrar quem já não se move por dentro; quem ensaia gestos e espera palavras. Minhas noites tem se acordado sem me deixarem dormir, e o dia me adormece por horas transbordadas. Leio e assisto, mas daquilo que preciso, os versos melancólicos do poema, nem a luz da televisão me trazem. O calor não convida o frio que está aqui em pleno verão, a retirar-se pra nunca mais. Tudo continua absurdamente parado como um relógio público, Pessoa que o diga... Por isso vou fazer poesia com o nada que me para. E tentar mexer o tudo que me move.


(...)



"esse coração oculto pulsando no meio da noite (...), combatente clandestino aliado da classe operária, meu coração de menino."
(Ferreira Gullar)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Parece bolero

O coração sempre irá buscar refúgio nos olhos de quem um dia o teve na mão. E não há nada que se possa fazer a não ser respirar fundo e dobrar a esquina em busca do novo que tanto se prometeu. Mas lá estava meu corpo me desobedecendo de novo e cá estou eu a te escrever depois de tanto tempo. A vontade gritando feito bicho preso no quintal, toda a distância tranformada em desejo súbito de uma puritana. Nem sempre os caminhos são precisos e os sinuosos passos são por acaso, e acho que por isso te encontrei. Reencontrei uma pequena morada em mim, que desconhecia até o momento de te abraçar com força. Meio esperto, meio ingênuo. Momento de fingir não estarmos conectados um  ao outro. Tudo mentira de quem resiste às reticências de uma história. Na verdade, eu percebi quando sua boca travava para expelir o que seus olhos denunciavam. O som do mar nos confundiu mais uma vez e a voz do tempo cantou. As coisas mudaram mesmo, mas alguma coisa boa permaneceu. O pequeno abrigo onde me encostava ainda estava no mesmo lugar, mesmo que desgastado, mesmo que carapuçado da razão que nos precisa. Fomos pegos em flagrante praticando um crime involuntário, o crime do querer sem fim. E não me importarei depois dessas longas datas, se não beber nos teus olhos de mel mais uma vez. Não tomarei  lugar de quem hoje tem assento ocupado, nem farei escândalo para te ter de volta. Apenas deitarei no presente, desembrulhando o passado remoto para que eu não me esqueça do que construímos. Não será tentativa frustrada de quem ainda ama, mas uma dádiva de guardar na memória da vida o que hoje é afeto. Acontecerá de vez em quando, sem promessas e lástimas. Pois é sempre desconcertante rever o grande amor, Chico sabia disso.


"Não sei se eu ainda
Te esqueço de fato
No nosso retrato
Pareço tão linda
(...)
E desconcertante
Rever o grande amor
Meus olhos molhados
Insanos, dezembros
Mas quando me lembro
São anos dourados..."

(Anos dourados - Chico Buarque)

Poetisa da alma


Sempre há um alvo a ser atirado com perfeição, depois de tantos erros, incansáveis fragmentos de vida. Não me reciclo sem antes me consultar, me pesar além da massa corporal, na balança do que me faz bem. Acabo jogando tanta porcaria fora que me sinto leve feito uma pena. Meio que uma faxina sentimental, emocional, espiritual. A tristeza nunca foi de perdurar, acho que não sou um bom lugar para sua pousada. Vejo a vida tão depressa e bela que o realce que tenho sempre tentado dar a ela, não é nada doce para os sentimentos negativos. O sorriso a tiracolo me carrega pelas escuridões e claridades que se fazem à minha frente, mas que nunca me fazem desistir dos lábios vermelhos e ousados.

Quando se para de dar importância ao desprezível, o que o próprio tempo ensina (aprende quem quer), as coisas boas batem à porta, e a espera de milagres lapidam-se em ações, práticas reais e menos cruéis do que a espera. Felicidade nunca foi utopia. Talvez sua sede interminável seja nada menos que uma barreira posta diante dos olhos quebradiços, pois ela está na ponta do nariz, na ponta da língua, no aqui e no agora. Acho que simplesmente cansei de fazer minha vida um divã de analista em busca de respostas ilógicas, quando na verdade o que eu mais aspirava estava tão próximo, absurdamente próximo.

É tudo tão espetacular aos olhos da alma e não exito. Prefiro ser poetisa da alma e não me contento com o que o mundo me oferece. Tudo acontece aqui dentro.