quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Obrigada, 2011




Eu não coube mais nas roupas que antes folgavam em meu corpo. Engordei, emagreci, comi tudo que tinha vontade e não pratiquei exercícios. Li mais o que queria, fiz poesia com minha vida, criei coragem pra falar alto e fazer a arte de ensinar com as mãos de artista inexperiente. Tentei violão, desisti antes de começar a dança e o francês, e concluí o curso de inglês. Optei pelo o português. Eu me surpreendi com meu timbre, com minha paciência em esperar o momento ideal para falar poucas verdades latejantes, apesar de ouvir muitas mentiras feridas. Ouvi meu coração também, baixinho mas pulsante e forte, que me submeteu a gestos loucos e conscientes. 


Aprendi a sorrir em momentos inapropriados e a zombar da hipocrisia que insistia em me rodear. Aprendi também a dizer "não" quando preciso, mas ajudei a quem precisava sem ouvir um "sim" para isso. Acho que também fiquei mais independente, apesar de não ter comprado um apartamento nem ter saído de casa, mas por ter dado asas a liberdade que minha mente desejava pra voar alto, além das montanhas, além dos muros palpáveis. Continuei sem seguir o que a moda ditava e a sempre errar nas combinações, que variavam junto com meu humor camaleão. Talvez tenha investido mais na cabeça do que no corpo (gosto de ver meu dinheiro valer a pena, ao invés de sumir a cada estação). 


E falando em estação, sofri invernos e tremi de frio quando o que eu mais queria era um cobertor. Fiz de mim minha própria companhia por várias noites sem sono e sem lágrimas. Já meu verão foi só risos, calmaria do mar e revelação: me surpreendeu com um sol chamado amizade, raiou ainda mais a família pequena e que me foi permitida escolher. Nasceram estrias no meu corpo e o efeito sanfona atuou também no emocional. Alguns entraram e saíram de mim deixando marcas, umas mais claras, outras mais escuras. Abri os olhos para as pessoas ao meu redor e consegui ver a alma, segui o pequeno príncipe. Enquanto isso, muitos cegaram para as carapuças alheias de bom caráter (sempre preferi o mau caráter não disfarçado e não é a toa). Senti-me no asteróide B-612. 


Conheci a ingenuidade mas também o monstro oculto que acorda de repente, assustando em silêncio. Resmunguei, chorei, me decepcionei com o quase óbvio, me senti criança. Mas pus em prática a maturidade construída, cedendo o perdão e a tolerância. Saí do berço da apatia, da cegueira e do conforto ilusório. Sofri do mal da omissão e dos chás de sumiços sentindo uma dor fina e cortante. Tomei remédios de pseudo-alívio, mas acabei caindo da nuvem mentirosa que me aconchegava lá em cima. Só machucou no começo, hoje em dia já sei como assoprá-las mesmo sabendo que ainda irei me arrebentar e reaprender. 


Com tudo isso, fui levada a acreditar que todo mundo tem dois lados: ninguém pode ser totalmente bom ou totalmente mau. Expandi, aceitei e como prova ganhei irmãos, aqueles que enfeitam minhas fotos e tem pacto com meus gostos, sintonias sem explicação. E como as melhores coisas da vida, não necessitam de explicação. Já outros sumiram no meio da viagem: eram só passageiros. Dei adeus. Aprendi a sumir quando não havia mais saída, e a entrar no mundo das pessoas a fim de ser inteira e amiga. Abominei metades e exigi atenção. Nunca pude fugir da intensidade que me vive, lá dentro, bem mais forte do que eu. 


Acho que falei mais o que sentia e discuti com os que se achavam politicamente corretos em tudo. Aprendi a odiar e desconfiar de quem agrada a todos e tive bom motivos pra isso. Desmistifiquei supostas verdades, mas sonhei bem mais. Nunca fui a favor dos cem por cento racionais, pois onde estaria a graça da vida se não nos sonhos? Enfrentei gente que queria derrubar os meus e debochar da minha caminhada em busca deles. Desconsiderei, afinal não há troco mais ousado do que a indiferença. Infelizmente ser você mesmo gera guerra em uma sociedade que adora fazer sentido. 


Fui também racional quando o momento pedia, mas não fui quando a questão era unir dois corpos. Eu me apaixonei desesperadamente, tremi pernas e gaguejei. Aprendi a ler gestos e usei minhas armas. Não todas. Acho que fui importante em algum momento e roubei alguns pensamentos com minha imagem. Eu quase me entreguei, quase caí feio, se não fosse algo indefinido (uns nomeiam de "destino", outros de "coincidência"), no meu mundo onde tudo tem que dar certo, que impedisse. Olhei pra uma boca, ele me sorriu com um olhar. Eu me encantei, depois desencantei, cantei e reencantei. Gostei de ter vivido cada amor platônico, cada paixão desenfreada, cada paquera não correspondida. Gostei mais ainda de ter me deixado quatro pneus caidinhos por mim mesma, ter visto o amor-próprio transbordar. 


E de verdade, o melhor de tudo foi ter acordado sempre com pensamentos matinais desapaixonados, e morrer de amor no final do dia. Foi sorrir com minhas quedas e a chorar com minhas graças alcançadas. Foi ter vontade de continuar sempre depois das topadas e ter me conhecido um pouco melhor, na velha luta infindável do auto-descobrimento. Foi ter subido mais um degrau da longa escada que habita esse mundo, cheio de dores e amores. Foi ter dois dias para que o ano se acabe, e conseguir dizer satisfeita: O fechamento desse ciclo está permitido. Bem-vindo 2012! 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Sobrou

Se antes eu reclamava do tempo e do lugar, hoje os tenho nas mãos transbordando. Minha válvulas de escape enferrujaram, minhas queixas não são mais justificáveis. Sobrou espaço, ponteiros e muitos papéis pra escrever, quem sabe planos pra concretizar. Monotonia e descaso com os problemas do mundo lá fora. O mundo em que tenho habitado nada mais é que o meu infinito particular. Tão, tão íntimo que chega a ser fino como o vidro a estraçalhar-se no chão. Com cuidado, agarro-o, deito-me lentamente na cama, procuro um toque seu. Como não tenho o tato, vou na música. Ela finaliza. 
A tarde já cai e eu continuo a procurar por pedaços de você nas sombras formadas pela cortina do meu quarto, reflexos do vidro que é meu mundo. Penso então que se não te tenho por completo em tempo real, por que não matar minha sede no sonho, onde tudo pode acontecer? Mais uma tentativa frustrada de chegar perto: lá as coisas também não tem acontecido. O que fazer? 
Acordar.
É. Eu preciso acordar, lavar o rosto, arrumar a mala e partir. Em vez de esquecer de levar o que deveria, esquecer o que não deveria ir (mas que vai), mesmo que no pensamento, no bolso, no pedaço de nuvem observado da janela do avião. Dar um passo pra frente, deixando pra trás e principalmente aprender a fazer isso sem lamentações. Amadurecer é processo dolorido mesmo, mas é um título que a vida cobra. Ainda mais sendo mulher, com sentimentos de menina e coração idoso. Às vezes descer do salto e encostar com os pés frios no chão é preciso. Os meus flutuam ainda, mas daqui a pouco alcançam o piso do desembarque. Se antes eu reclamava do tempo e do lugar, hoje os tenho nas mãos transbordando...

Au revoir!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Psiu!


Desconfiei de mim. Passei a não acreditar no que minha boca fala, mas no que meu coração cala. Silêncios cheios de respostas. Sou total desentendida, confusa, contraditória assumida, e por isso não confio no que solto pro vento levar: palavras. Meu silêncio vale muito mais tardes amenas e noites tranquilas. Meu vocabulário é perturbador, me tira a paciência, não é meu amigo. A ausência de sons quando resolve se instalar em mim, já age com classe, com elegância e sopra baixinho no meu ouvido a brisa dos poucos e sábios. Então decidi me apegar ao vácuo de ilusões lexicais.

Há algum tempo, eu vinha relutando contra a indiferença, a injustiça, as frases pseudo-alegres. Não tinha tanta recompensa quando jogava a mesma carta, falava a mesma língua. Como dois cegos tentando enxergar o caminho, como dois países em guerra tentando acordo. Resolvi optar pelo recolher-me, o calar-me que parece infinito dentro de tempo curto, principalmente com o reforço do silêncio da noite escuro de estrelas quase invisíveis, e o dia sem uma nuvem sequer. Mas acredite, aprende-se bastante com o espaço grande-vazio.

Vazio nem sempre é sinônimo de coisa fria, seca, cruel ou conformista. Vazio quer dizer reflexão, pelo menos nos momentos em que os desejos de explodir estão falando alto, o sangue tá fervendo e as multidões estão num caos. Parece um adoecer, mas não é. É vital, necessário e método seguro. Nada a ganhar mas nada a perder. Eu fiz o teste, acho que me superei. Porque sempre chega o momento que a vida cobra e traz a recompensa dos pés que se aquietam, das mãos que se descruzam, dos textos escritos para descarregar essas palavras transfiguradas por momentos abafados do silêncio do outro. Vale a pena.

É quase uma comunicação telepática que se consuma com a verdade. E que ela seja dita através das entrelinhas do assobio - prolongação do silêncio fino e frágil -, que seja gritada com a voz rouca do coração, mas jamais colocada pra fora com a boca errônea e borrada. Dar espaço ao dicionário não compromete as emoções cheias de erros de grafia. E acredito firmemente na justiça do universo. Universo que conspira a favor de todo um silêncio absoluto que diga alto o que não quer, mas que não escandalize a ponto de ferir como as palavrinhas - ou quem sabe palavrões.

Se o outro não der a mínima pro meu silêncio, não me importo. Fecho a porta, apago a luz. Pois quem não se importa com o silêncio atual, tampouco merece as palavras futuras, tão bem caprichadas ao longo dos anos com leituras complementares - poemas infindáveis e encarnados. Pedaços de histórias felizes não merecem tragédias a todo enredo diferente. Então guardo a eloquência, os neologismos e língua dos anjos (ou do amor?) para o mais sutil momento de merecimento, de ouvidos atentos, pupilas dilatadas. Tem que saber dosar a baixeza da vontade e a grandeza da verdade. 

Boca falante, coração calado. Continuo com a segunda.