terça-feira, 20 de agosto de 2013

Melhor sugestão



(...) 
Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados já frios.

Também como este ar da noite:
sussurrante de silêncios,
cheio de nascimentos e pétalas.

Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E à nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.

À cigarra, queimando-se em música,
ao camelo que mastiga sua longa solidão,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocência para a morte.

Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Não como o resto dos homens.
(Sugestão - Cecília Meireles)


Eu tinha medo de te escrever e depois você sumir, como aconteceu outras vezes com outros caras. Tinha medo de que as palavras te alcançassem pra contar que no começo, pra mim, era apenas uma brincadeira sim, e que nem Peninha mentiu. Ou talvez de que te contassem que o meu sentimento era ínfimo mediante os amores estrambólicos que eu estava acostumada, ao sofrimento matinal junto à ressaca de vinho de uma noite anterior. Tinha medo de que você soubesse que eu sempre preferira os barbudos, que gostavam de ler vorazmente poesia e tinham umas ideias cheirando a cigarro. Aqueles caras tão viajados e risonhos que chegavam a ser melancólicos por suas naturezas híbridas. Mas aí você me veio, vestindo uma praticidade sem tamanho, me enchendo de beijos mais quentes do que o fim de semana descompromissado com o amor. No princípio era o cheiro, depois o sentimento. Veio sem alardes e sem muitas ideias, meio calado, meio neutro e eu que nem curtia tanto esse jeito, fui me encantando com o teu silêncio, com a tua simplicidade de sorrir ingênuo, com os olhos apertados de menino e uma leve crítica penalizando as coisas do mundo. Com uma inteligente abordagem do normal. Uma calma que foi me embalando, foi me afortunando de tranquilidade. E então eu fui gostando do que eu não pensava gostar nunca, dando vez ao sentimento que serpenteou os destinos paralelos aos nossos. Uma estradinha para o nosso interior que foi sendo feita sem planejamento, sem as milhões de expectativas do amor romântico. Os olhos alheios nem puderam se deleitar com o nosso processo, afinal, a tua discrição se fez bem mais elegante do que a mesquinhez dos bobos. Acho que não tínhamos espaço para as fofocas. O produto foi gerado despretensiosamente com esmero. Com isso, nós fomos ensaiando um lugar no coração, ornamentado pelos dias que estamos vivendo sem o ócio de querer um ao outro. Ainda não sei definir o que é isso tudo, essa viagem que transcende a liquidez chata que eu estava fatigada. Parece uma nuvem que vai terminando no meu lado mais iluminado pelo sol, desenhando no pensamento as expressões faciais mais expressivas que já vi na vida. Sonho e acordo de mãos dadas com o carinho sem recompensa. Com um romantismo sem melosidade. O amanhã não existe para nós. Ah, o que eu não sentia há tempos você me devolveu melhor. Mas eu tinha medo de te escrever... e saíram essas frases compondo o elo novo na minha corrente de vida. Porque as nossas entrelinhas se enredam em linhas de uma nova história que já nem é tão nova, poucos sabem disso. Então eu te escrevo... Pedi pra você me ensinar a contar e eu te devolvia umas palavras. Aqui estão.


terça-feira, 13 de agosto de 2013

Desexplicação


"Não estatize meus sentimentos
Pra seu governo,
O meu estado é independente
."
(Renato Russo)



Antes eu queria significar. Dar nome as coisas, desentender um pouco Manoel de Barros. Talvez eu quisesse o subjetivismo lindo de Clarice por meio de uma objetividade leviana. Hoje não tento mais rotular os sentimentos que bailam dentro de mim implorando vez para a desorganização. As sensações sem governo, o trem fora de trilho, o dia amanhecendo quando mais se parece tarde anoitecendo. E tudo vai se confundindo, saindo do terreno do confortável, do bem apresentável aos pais, do bem visto aos olhos da sociedade consumista e simétrica. As performances sentimentais vão se moldando a si próprias, adquirem autonomia dentro da minha teia tecida de amor. A base, o fundamento, aquilo de que uso para me compor. Em versos, em música, em uma pintura que não entendo muito bem. Daí vêm meus livros, me leem, me decifram e me roubam a imagem através de palavras que se orientam para me desorientar. Não ligo mais, nem me importo com aquilo que se quis dizer e não disse. Vejo que cheguei numa fase em que tudo o que mais importa é a profundidade do beijo e não mais a superficialidade do céu que a gente passa tanto tempo almejando. As belezas, os enfeites do romance, os 'eu te amos' soltos, meio que conformados. Tudo isso por água abaixo. Eu cortei relação com essa linearidade de vida. Porque a vida não desenlaça pelas fitas vermelhas e sim pelos nós que insistimos em fazer durante o trajeto. Nós enegrecidos às vezes. A beleza do feio, o amor sujo, "um pano de chão, de linho nobre e pura seda", Renato me entenderia. Pois é, cansei. Resolvo então me entregar às peripécias, aos olhares profundos que calam a boca. Aos abraços inesperados, à tarde de sorvete com palavrões permeando a conversa banal. À companhia para um filme romântico-meloso-idiota, à cachaça que me aguarda ardentemente (aguardente?) na mesinha do quarto no intervalo do filme. Sim, eu a deixei lá, não no bar. Eu só quero chegar mais perto daquilo que não tem rótulo. A bebida, eu, meus sentimentos. Todos sem significados, mas significando demais para mim.