quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Pensamento colorido

O ritmo do samba antigo me faz sentir saudade do que nunca vivi, reticenciando uma melodia no ouvido que desemboca no lado oculto do meu ser. É arriscado forçar alguma situação, quebrar o elo invisível que se constrói com o pouco que se viveu, apenas para comprovar o que o sonho enfeita nas noites longas. Ouso dizer imoral a tentativa de compreender o caminho ponteado por uma pureza inexplicável do mistério que a gente encontra para enlaçar o óbvio. Porque enigmaticamente a ausência de toques me leva a lugares desconhecidos, me leva a um passo do amor inventado em pleno carnaval, a mil pés da realidade crua. Porque a concretude do mundo sempre abre muitas portas para a abstração que ele abriga pelo não transparecer. Ou não transformar para aparecer? O vazio do ambiente, o choro abafado, o silêncio ensurdecedor, os olhares famintos, as palavras nas entrelinhas, os sentidos lá fora, a fumaça tragada e solta pelo ar do desejo. E é ainda mais misteriosa a ponte que se cria entre o meu pensamento e o fato, tão distantes quanto à insana necessidade de dar gás às tolices esvoaçantes, de alimentar os meus exageros discretos, de enfartar os afetos, remendando (des)pedaços das minhas imaginações bordadas. Pois é mais convincente dizer que tudo tem acontecido nesse silêncio profundo que a gente acaba se afogando, querendo sair vivo e morrendo por não viver. Porque as vontades se concretizam mesmo nessa lacuna que a gente insiste em chamar de pensamento, se alongando em uma forma, num sentido, numa cor, feito arco-íris, digno do encantamento que traz aos olhos de quem o risca com os dedos apontados para o céu, quando lá mesmo ele se desfaz. E talvez seja só isso: o belo que se busca aos tropeços em contraste com a realidade escorregadia. Sensata, mas deixando muito a desejar para a minha mente ritmada pelo samba de raiz, o mesmo que me transporta para um passado jamais experimentado, talvez para as minhas raízes imaginárias.

Silvanna Oliveira