
Simulando o fim de um amor, se é
que posso chamar de amor, vou escrevendo neste domingo de noite quente. Simulo
porque dentro de mim a história já se aproxima de sua morte, sem ao menos ter começado
na vida real. Um pé na cova e uma faca no coração. Eu dou por encerradas as
linhas mal escritas desse romance sem jeito em que me meti a escrever desenfreadamente.
Olhos cerrados de uma ausência presente. O carinho cansado por andar sempre
sozinho me pediu um tempo, arrumou o velório pra solidão se instalar de vez. E
depois de tentativas felizes em meio a carros alegóricos tristes, eu me
ponho a chorar as últimas lágrimas na lápide cinzenta desse amor cadavérico.
Pode parecer melancólico, doentio, cabalístico, mas os sentimentos estão aqui
em graus escuros, umbral da minha alma frustrada por não gritar a dor fina que
me quebra aos poucos, de dentro pra fora. Simulo e chego perto da realidade do
fim, uma hora ou outra teria que acontecer. As flores brotadas no meu cemitério
de amores não foram regadas senão com a chuva previsível, aquela esperada pelos
meteorologistas. Agora reajo fria, calculista que nem eles. O que mais me resta?
Ser coração não foi suficiente para ser amada e a cabeça não dá férias para
quem não trabalha, para quem não se move. Eu quero saltar dessa ilusão,
despedindo-me meio de lado, envergonhada por ter sentido mais, por ter feito
tudo tão cuidadosamente sozinha. Sairei como um poema escrito nos últimos dias
de vida de um poeta, marcante e singelo. Último vinho do ancião. Primeira luz
que entra no quarto do enfermo para levá-lo embora. Resolvi neste minuto, sendo
sempre horas, dias, anos... mas hoje, meu amor, declaro o funeral do meu
sentimento trêmulo, ingênuo, bondoso para com a sua confusão, desorganização em
que me afundei pelo o que tem de mais humano, quase nada de divino: o amor, se
é que posso chamar de amor... antes isso fosse, antes isso fosse bom. Pelo
menos aqui, pelo menos agora. Não simulo mais e despeço-me.