quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Doce proibido


Engoli muitos desejos por você enquanto deitava a cabeça no travesseiro de sonhos. Imaginei nós dois gastando o mundo, rasgando ventos, na beira-mar e céu azuis. Criar milhões de imagens que não saíam do meu cérebro, minúsculo pra suportar tantas quimeras, era saturá-lo de paixão proibida. E sufocar tudo isso como alguém que tenta calar a boca com a mão ligeira, querendo engolir a chave que abriria toda a fantasia de debutante tímida. Deu certo, no meu universo onde tudo tem que dar certo, mas na realidade não. E hoje não me preocupo em saber o motivo desse não, meio amargo, meio salvador. No mais, consigo até rir das nossas conversas utópicas das madrugadas às esperanças, as quais adormeciam no meio do caminho ao palpável. Nada foi completo como desejávamos, nada foi tão belo como nas palavras, como no silêncio do beijo intenso de feriado. As entrelinhas disseram muito mais, juntas ao não-saber compositor de uma história de poucos capítulos, gostosa de ser lida, mesmo depois de algumas primaveras. Teu jeito largado me fez enxergar o homem mais culto do mundo, teu vocabulário desafiou minhas aulas de português, teu sorriso me lembrava sempre uma criança que acaba de ganhar chocolate. E sem perceber, você deixou minhas palavras incoerentes, transformou minha razão em risco, e me soltou no labirinto das emoções para que me perdesse e não voltasse tão cedo. Estar te escrevendo agora é sinal de que consegui voltar sim, pois se você não tinha essa intenção, eu tinha. Sacudi a poeira que você me depositou, o vendaval finalmente foi embora. Depois do desalinhamento causado por esse vento contrário, meu mundo voltou a girar dentro do tempo que voa pra melhor. E se me lembro de você é só assim, como um tropeço nas antigas paixões. Talvez um amor fora de época... Melhor do que ter prendido a respiração ontem, é expirar naturalmente hoje. Melhor do que relembrar com a cabeça, é esquecer com o coração.
"Aos olhos dele
Não acredito em nada. 
As minhas crenças voaram 
Como voa a pomba mansa
Pelo azul do ar. E assim fugiram
As minhas doces crenças de criança."

(Florbela Espanca)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Que explique a minha paz

Eu só queria um pouco mais. Por isso, fechei as portas do superficial e abri as janelas da intensidade. 


Os dias me consomem aos poucos, como a fumaça do cigarro que confunde a poeira solar em fim de tarde, esvaindo para o nada. Meus passos lentos entregaram todo o meu torpor de conquistar um novo alguém, de começar a ter as milhões de emoções, só que partindo do zero. Ouvinte de propostas indecentes e superficiais, me esqueço alheia às mesmas, saltando indolente com destino ao futuro do meu coração elegante e profundo. Não se podia esperar muito de quem já cansou de viver metades de tempo, vestígios de companhias e restos de amor. Sim, precisei mendigar por um mínimo de atenção e até vestir sorrisos fáceis para perceber que estas nunca foram estratégias boas de agarrar alguém para si. Aderir à ilusão de posse eterna e vulgar muito menos. E mesmo reivindicando meus direitos de sentir a dois, mesmo sabendo que o singelo é também robusto, e mesmo tratando de coisas destratantes, eu decidi por segurar a liberdade na mão e ser passiva de outras atenções, guardando um pouco da minha tão ingênua e fosca. Escondi a vidente que adorava prever errado e fechei os olhos para as expectativas cinzas, as quais encobriam minha visão de algo melhor. Acho que caiu bem em mim esse novo colete salva-amor, afinal, meu possível resgate não implica em esperas exaustivas, nem na ausência total de sentimento. Já-não-mais. O amor sempre fez parte de mim, como um membro que se amputado, faria falta e inibiria o movimento mais trivial. Ele é meu braço direito, o combustível que me move no mundo, meu perispírito em carne e osso. Portanto, renunciar das esmolas obtidas com suor amargo, não há de ser tradução da vontade de amar doce, nula, mas sim do desejo de uma história acre, viva. E com essa evasão pra dentro de mim, enxergo o quanto o sentimento mais profundo e vermelho me habita, inexplorado ainda porém belo. Conhecer o lado que gritava calado, implorando vez para desistir dos amores rasos, foi dissipar a calma até então inexistente e ter como resposta, o repouso no silêncio. 


Não há recusa do raso que não signifique um início de paz profunda.


ps: título referente à música "Casa pré-fabricada" na composição de Marcelo Camelo.